Os passarinhos nas proximidades começaram a cantar. O dia vinha surgindo. Podia ver agora que estava num grande túmulo vazio. Seu tornozelo doía como nunca, contorcia-se de dor. Pensou em começar a gritar, mas era muito cedo, não haveria ninguém no cemitério a não ser os prováveis homens que queriam pegá-la. Ficou encolhida no mesmo canto temendo que eles ainda estivessem lá.
O sol nasceu. Distante o barulho de carros, ônibus, caminhões. Quando o sol postou-se diretamente sobre o túmulo, começou a escaldar naquele calor, começou a gritar. Pensou que prontamente alguém viria procurar o responsável por aquela gritaria. Mas não. Gritou muito, ficou rouca e nem sinal de gente. Será que ela ficaria sem socorro durante o dia também? Se ficasse mais uma hora naquele lugar morreria ou se mataria. Gritou mais, com toda a força que tinha. E nada. Gritou mais. Ninguém. Por fim, cansada, com o rosto lavado em lágrimas, desistiu. Estava perdida, era claro que estava, não havia ninguém naquele lugar, ela deveria estar muito afastada até mesmo do coveiro. Ninguém a ouvia. Estava fadada a morrer naquele túmulo.
E se ninguém viesse àquele lugar nos próximos dias? E se ninguém tivesse nenhuma parente enterrado ali perto? Ela não podia acreditar que sua vida estava fadada a terminar ali, por conta de uma aventura idiota com um gótico covarde. Que arrependimento! O sol virou, deveria ser uma ou duas horas da tarde e ainda estava ali, suada, suja e pelada. Tentou se encolher numa réstia de sombra para evitar o sol escaldante. Pensou que num buraco como aquele o clima seria, pelo menos, mais agradável, mas não era isso que sentia, ali parecia uma grande panela de pressão. Ela sentia sede, fome e cansaço.
O sol começou a perder o calor, a tarde amenizou a temperatura. Ela resolveu gritar mais um pouco. Gritou. Ouviu em resposta apenas o canto dos pássaros. Será que ela teria de passar mais uma noite naquele lugar? Desespero. Ela gritava e chorava, chorava e gritava. Quando já tinha perdido todas as esperanças e se entregado ao desespero completo, um rosto apontou lá em cima. Ela olhou tentando descobrir se aquilo era real ou não.
- Oi. O que você está fazendo aí?
- Brincando de esconde-esconde. Não está vendo que caí aqui. Me ajude.
- Você está pelada?
- Estou, agora me ajude a sair daqui.
- Claro que ajudo, depois que eu chamar os jornais. Um amigo meu trabalha num jornal e vai adorar ter a exclusividade dessa história. Como você foi parar aí?
- Isso não é da sua conta.
- Você é muito sem educação. É melhor me tratar bem, sou o único dentro desse cemitério hoje. Se me distratar eu vou embora e deixo você passar a noite aí. Você já passou a noite num cemitério? É assust...
- Eu estou aqui desde ontem a noite e sei muito bem o que é passar a noite dentro de um cemitério.
- Como você foi parar aí?
- Moço, pelo amor de Deus, encontre minhas roupas que devem estar perdidas em algum lugar e me tire daqui.
- Entendi, veio fazer festinha com o namorado, caiu aí e o namorado se arrancou. Foi isso?
- Foi. Então me ajude logo.
- Espere um pouco.
- Esperar o quê, moço? Eu estou suja, com sede e com fome. Você quer que eu espere mais o quê?
- Alô – disse o homem com o celular colado no rosto.
- Moço, pelo amor de Deus não conta essa história para ninguém.
- Rodolfo? Rodolfo, quanto você paga por uma notícia? Se for boa cenzinho? Eu tenho uma ótima - uma moça encontrada pelada dentro de um túmulo do cemitério...
- Moço, não faça isso.
- ... eu o encontro na porta do cemitério. – ele desligou o telefone virou-se para Nusa. – Você não saia daí. Vou ao portão esperar o meu pagamento, depois eu ligo para a Polícia e o Corpo de Bombeiro para vir tirar você daí. Tchau. Foi um prazer conhecê-la.
- Moço, não me deixe aqui sozinha, pelo amor de Deus.
- Não se preocupe, já vai ter uma multidão a sua volta com muitas luzes.
Ele desapareceu. Ela virou-se para as paredes de terra quase chorando novamente. De repente o homem voltou a colocar a cabeça na entrada do buraco.
- A propósito, você tem seios lindos.
- Some daqui, seu filho de uma...
O homem se foi e Nusa ficou imaginando o que aconteceria quando a reportagem e o socorro chegassem. Estava perdida. Ficaria pelo menos a eternidade inteira de castigo.
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