FIM
Estava anoitecendo, os últimos raios de sol despareciam lentamente. Ela se dera mal. Sua barriga roncava, sua boca estava seca. Ela xingava o gótico, os homens que a perseguiram e o aquele que supostamente fora buscar socorro. Ela não estava mais com medo, estava furiosa. Era sem sorte, isso sim. Podia imaginar quantas ligações perdidas tinha em seu celular, de sua mãe, de seu pai e dos seus amigos. Quando saísse dali... Se saísse, porque, pelo jeito, seria mais uma noite presa dentro de um túmulo vazio num cemitério, só ela, a noite e os defuntos. Que ódio! Gritava de raiva, de desespero. Não sabia mais o que sentia.
Começou a falar sozinha reclamando de sua sorte. Orava. No minuto seguinte amaldiçoava tudo e todos. A noite caiu por completo. Atentava aos ouvidos em busca de escutar algum som que denunciasse o socorro chegando, mas nada. Por que aquele maldito não tinha chamado ninguém? Isso era desumano... Aproveitar-se da desgraça alheia para ganhar cem Reais... Ainda se fosse dinheiro... Como o ser humano é mesquinho!
O seu corpo tremia inteiro de raiva, de frio. Levantava-se. Andava de um lado para o outro. O seu tornozelo parecia uma bola de futebol, latejava. Sentava-se, sua bunda doía, seu corpo inteiro padecia.
De repente ouviu barulho de gente se aproximando, começou a chorar, estava salva. O barulho virou balbúrdia. Uma dezena de máquinas fotográficas apareceram na boca do buraco, tudo se iluminava com os flashs lançados pelas grandes máquinas fotográficas. Ouvia alguém mandando os repórteres se afastarem.
Nusa começou a chorar. Feliz e envergonhada ao mesmo tempo. Iria aparecer, diante da imprensa de sua cidade, nua. Tentou se levantar, mas já não podia controlar a dor no tornozelo que parecia doer mais do que nunca.
- Você consegue ficar de pé? - perguntou um bombeiro à boca do buraco.
- Não – respondeu ela chorando – estou com o tornozelo quebrado.
De repente uma escada foi jogada dentro do túmulo. Um bombeiro desceu preparado com uma manta que jogou sobre o corpo dela. Pediu para que ela deitasse numa maca. Ela deitou-se. Depois a içassem. No instante seguinte viu-se cercada por luzes. Câmeras, perguntas e mais perguntas. Sua mãe veio abraçá-la. Os flash não paravam.
- Como você foi parar dentro do buraco?
- Um estuprador, ameaçou-me com uma arma, mandou que eu tirasse a roupa... foi horrível... ele me pegou na saída da boate... eu não tive outra escolha a não ser fazer o que ele queria... quando ele veio para cima de mim, dei-lhe um chute naquelas partes e fugi. Teria ido longe se não fosse esse túmulo aberto. Caí aqui dentro e tive que ficar quietinha durante toda a noite com medo de ser localizada por ele. Só comecei a gritar por socorro quando o sol já estava alto. O meu salvador ganhou cem reais para me deixar por mais quatro horas presa dentro desse buraco e foi chamar a reportagem, mesmo assim obrigado, seu filho da p... Não pode falar palavrão?
Um Policial se interpôs entre os repórteres e Nusa. Levaram a maca para uma ambulância. Quando ia entrando ela viu irromper da multidão, um sujeito de cabelos pretos, maquiado. Reconheceu-o imediatamente. E, sem titubear, sentou-se na maca e começou a gritar.
- O estuprador. O estuprador. É aquele ali, aquele todo maquiado.
Ao ouvir a acusação e completamente tomado pela surpresa o gótico ficou parado. Dois policias vieram correndo e o seguraram. Algemaram-no enquanto ele gritava:
- Eu sou inocente ela veio até aqui porque quis. Conte a verdade, sua louca! Conte a verdade, filha da mãe...
Nusa viu quando enfiaram o gótico dentro da viatura. Depois ela desmentiria a história, no momento aquilo era para ele aprender a não ser um covarde e nunca mais na vida largar uma mulher nua dentro de um cemitério. Nusa sorriu vingada.
Levaram-na direto para o Hospital. Sua mãe ao seu lado, chorando. Ela olhou a mãe, virou o rosto para o lado oposto e sorriu. Não tinha pensado mas aquela havia sido a melhor desculpa que inventara em sua vida. Era melhor ter sido vítima de um estupro do que uma tonta que quis dar uma no cemitério, pelo menos assim não seria taxada de idiota..
No dia seguinte as manchetes.
“Garota foge de estuprador e passa um dia e uma noite presa dentro de um túmulo”
“Cemitério da cidade vira palco de show de violência”
“Caiu com tudo num buraco do cemitério, mas não entraram no seu”, esse era um jornal sensacionalista.
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