IV
O fato de Valadão estar ao meu lado como quem olha o mecânico mexer em seu carro me incomodava deveras. Eu não conseguia me concentrar naquele corpo esbelto e sensual. Eu queria poder passar a mão por aquele corpo, beijá-lo, deitar-me ao lado daquela mulher. Mas aquilo ficava somente em meu pensamento e eu não ousava nem ao menos sorrir.
Ela sentou-se na cama. Examinei-lhe a garganta, estava bem inflamada.
- É a garganta inflamada. Vou dar-lhe uma injeção, de hoje para amanhã ela se sentirá muito bem.
- Que bom que é só isso, Doutor – disse Valadão. – Só quero que o senhor não repare, mas não posso vê-lo aplicar uma injeção em minha esposa.
- Por quê? – perguntei curioso. Mas ele não respondeu, saiu do quarto. Só pude deduzir uma única coisa. O machão tinha medo de agulha. Ri em pensamento, o que as pessoas diriam se soubessem que Valadão tinha medo de injeção? Se bem que ele não será o primeiro e nem o último homem a ter medo de agulha.
Ao sair do quarto, algo mudou no rosto de sua esposa, ela pareceu corar, sorriu-me sacana. Eu fingi não notar seu olhar, continuei preparando a injeção.
- Pronto, agora é só uma picadinha e a senhora estará pronta para outra.
Ela sorriu e virou-se de bruços na cama.
- Eu odeio injeções.
- Não conheço quem goste.
- Promete que não vai doer.
- Não posso, essa dói um pouquinho.
Ao vê-la deitada daquela forma com metade das nádegas à mostra, juro que quase me esqueço de que o seu marido estava lá fora certamente com o ouvido colado à porta. E em pensamentos eu a atacava. Mas isso só em meu pensamento, na realidade minhas mãos continuavam inertes, eu nem conseguia me mover. Por fim, aproximei-me da cama. Ela fechava os olhos de medo, creio eu.
- Agora não vai doer muito – disse eu pegando em sua nádega e cravando-lhe a agulha na pele.
Ela deu um gemido de dor, segurou minha perna, com força. Lógico, aquilo era apenas reflexo da dor. Mas qual não foi a minha surpresa quando ao invés de soltar-me ao fim da injeção ela deslizou sua mão pela minha coxa. Eu corei, sei que corei. Preferi fingir que não tinha notado o seu ataque. Ela virou-se na cama, sorriu-me novamente, maliciosa.
- O senhor tem uma mão boa para dar injeção.
- Muitas pessoas dizem isso.
- Quase nem senti a agulha.
- Que bom, não é?
Nisso Valadão tornou ao quarto.
- Já aplicou, Doutor?
- Já, sim.
- Olha, Doutor, gostaria que não comentasse o fato de eu não querer ver minha esposa tomar uma injeção. Eu tenho pena, sabe, não é?
- Claro, entendo. Olha, como é uma simples inflamação na garganta, acredito que até amanhã ela esteja novinha em folha, caso isso não aconteça é só me chamar que aplico-lhe outra injeção.
- Tenho certeza de que até amanhã ela estará bem melhor. Amanhã eu terei de sair, mas se ela não melhorar, ela própria liga para o senhor.
- Então vou indo – disse eu. – O senhor pode segurar o seu cachorro?
- Claro. Vamos.
- Dona, Andreia – disse eu respeitoso. – Se precisar é só ligar. Tudo bem? Os antibióticos que eu estou deixando, tome-os de oito em oito horas, para aliviar um pouco a dor na garganta passe um pouco de vick. Até mais.
Valadão segurou o seu rotwaller para eu sair. Saí, ele me acenou furtivamente com a mão. E eu voltei à farmácia, sem saber que a história entre Valadão, Andreia e eu, estava apenas começando.
Naquela noite eu sonhei com Andreia. Ela havia me impressionado, não que fosse uma deusa, mas era sensual demais. Seus lábios tinham a cor do pecado, seu corpo as curvas da estrada da morte e não me atrevia a imaginar o restante. Quando acordei de madrugada, fiquei imaginando se o que havia acontecido, aquela apertada em minha perna e aquela passada de mão em minha coxa, se fora proposital ou reflexo da dor da injeção. Quanto mais revia aquela cena em minha mente, mais me confirmava que ela tinha dado em cima de mim. Era assédio, com certeza. Mas é claro que aquilo ficaria na minha lembrança, em hipótese alguma eu teria coragem de tentar alguma coisa com a mulher de Valadão, de forma alguma. Nem que ela aparecesse nua em minha frente dentro do meu quarto. Ou teria? Essa pergunta seria respondida no dia seguinte.
Até amanhã.
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