Quando o assunto é mulher, homem que é homem não espera dois tempos. Você pode detestar muitas coisas, mas o amor por estas criaturas de Deus vence quaisquer dificuldades. Na sexta-feira de manhãzinha tínhamos barraca, churrasqueira, caixa de isopor, cachaça e um estoque de camisinhas. Esperamos a moça da previsão do tempo, não sei para quê, mesmo se dissesse que choveria canivete, iríamos. E fomos. Asfalto, caminhada, trilhas, rios, sofrimento, finalmente, a Morcega, a mais importante cachoeira da Barra da Serra. Encravada numa enorme gruta no meio da mata. Água límpida escorrendo pelos quinze metros de parede rochosa formavam um lago de águas claras, muito bonito. Mas eram coisas que não me admiravam. Demora, eu ir para o meio da mata atrás de cachoeira bonita! Se não tenho sentimento? Está dizendo que sou insensível? Para com isso, sou um poço de sensibilidade, depois de muita cachaça, lógico. Chorar? Não chego a esse extremo! Eu bêbado, no máximo da sensibilidade, até paro, uns dois minutos, para um dedinho de prosa com uma mulher. Não, não sou machista, machismo é coisa de homem que não se garante, eu sou é homem, do sexo masculino, másculo com letra maiúscula que é pra não deixar dúvidas.
No começo da tarde, bêbados, trêbados, ardíamos na ânsia do prazer carnal, antecipávamos nossos sonhos eróticos. Você sabe, conversa de homem. Cada coisa! O Babo, sempre papudo, contador de prosa, descrevia, esmiuçava suas safadezas, sempre exemplificando aquela ou aqueloutra mulher com a qual saíra, mas eu, profundo conhecedor das mulheres da região, não conhecia nenhuma delas. Mentiroso! Sujeitinho safado! É um papagaio, fala demais e quando come é semente de flor. Também, pudera, feio como era. A Bia vivia dizendo, que ele era um frangote, aquela cara de tarado escondia uma flor a desabrochar.
- Elas vão demorar?
- Não, acho que logo chegam.
- Conhecem o caminho?
- Melhor do que os guias. Não contei? Foi aqui que conheci as “Valquírias”, no aniversário do Pedrão, aquele bolo-fofo do jornal.
- Mas essas tais “Valquírias” são boas mesmo?
- Se são! Espere pra ver!
Na verdade, não eram boas como anunciavam. Quando, meia hora depois, as vi chegar, frenéticas, não pude deixar de esconder um pingo de decepção. Bagulhos, mocréias, a melhor delas deveria ter uns vinte e poucos anos, mas aparentava uns cinquenta. Abertas as portas do cemitério, eis que éramos os coveiros. Você ri, se livrou duma boa. Sabe, tinha uma, daquela não me esqueço, parecia bonita, lembrava a Julia Robert, séria, calada, não fazia tanta festa. Você conhece o Marino, aquela girafa, viu que era a melhorzinha partiu para cima, na primeira gracinha a mulher sorriu. Meu Deus! Como fala lá na nossa terra, parecia o Diabo chupando manga. Que mulher feia! Os dentes que tinha na boca não somavam o tanto de dos que tenho nas mãos. Estávamos no inferno, como, não podia haver infortúnio maior, abraçamos o Capeta.
* * *
Na manhã seguinte, fui o primeiro a acordar, passando mal, ânsia de vômito. A barraca parecia um cenário de guerra, corpos nus espalhados por todos os cantos. Pulando-os, a liberdade. Como conseguiríamos fazer aquela bagunça? Que orgia! Se eu fosse aquelas mulheres, teria vergonha. É inacreditável! Como? O que aconteceu? Orgia, meu amigo. Se tivesse a oportunidade de assistir diria que ali houvera uma cerimônia demoníaca. Fogueira, cantos, danças, bebidas e pecados carnais, os mais variados. Ó, Pai, perdoai-nos, sabemos o que fizemos, foi a tentação, a carne é fraca e o Diabo é forte. Na verdade, já vi coisas piores. O senhor sabe?
Que frio? Espessa cerração cobria tudo a nossa volta. Do lago, aqueles vapores! Minha vontade era de dormir mais algumas horas, mas meu corpo impregnado de suor de orgia, comichava. Despi-me. Com os pelos eriçados, atirei-me ao lago. Nadei como se pudesse, além do corpo, limpar minha alma. O que vale é a intenção, concorda? Dez minutos depois, não tinha mais coragem para sair da água, deixei-me ficar debaixo da cachoeira, sentado numa pedra, dois terços do corpo submerso e uma vontade irresistível de voltar para casa. Meu amigo, quem gosta de mulher feia é cirurgião plástico! Não, não estou cuspindo no prato que comi, mas, pensa comigo, se você tem dinheiro para os melhores pratos de cardápio, não vai tomar água para acompanhá-los. Estava só, pude curtir um pouco de tranquilidade. Sonhei com as “Valquírias”, no sonho eram monstros, devoradores de homens, literalmente, devoraram meus amigos, um após o outro, até só restar euzinho e um jegue. De onde pareceu o jegue? Jegue de sonho é abelhudo, então. Só sei que galopei esse jegue uns bons quilômetros fugindo. Imagina ter um pesadelo desse e, ao acordar, dar de cara com aqueles tribufús. Quase tive um enfarte. Mas, agora, era só curtir a tranquilidade, ouvir o canto dos pássaros misturado ao barulho da queda d’água. Inacreditável, isso é a vantagem de estar no meio do mato, o “silêncio” da natureza. Nessa hora percebemos a beleza oculta nas pequenas coisas.
É melhor mudar de assunto, esse lado poético é para os afeminados, não para um forte como eu. Nem combina com meus músculos. Senti uma paz tão grande, quase dormi debaixo da cachoeira. Por que não dormi? Ainda pergunta? Ia me casar dentro de uma semana, querendo ou não, isso tira um pouco o gosto da vida, temos que renunciar a tantas belezinhas por causa de uma única, certo que era bela, mas, uma. Não sabia se daria certo. Se bem que a minha noiva era linda, linda e muito boa... Eu não pensava em traí-la, mas presumia a rotina. Sei que não havia nada a temer, mas é normal pensar no desconhecido pós-casamento, um mundo a conquistar. A regra é simples, ame ou traia; ou ame e traia, meu coração sempre teve espaço suficiente para todas que o quisessem adentrar.
Lentamente ia prestando atenção aos detalhes daquele lugar. Era fantástico, realmente, sabe? Queria ter uma tela, pincel, tinta e saber pintar! Meus melhores desenhos são aqueles homenzinhos feitos de uma circunferência e cinco linhas retas e, além do mais, acho que pintar exige um lado feminino à flor da pele, e, se você não sabe, meu lado feminino sofre de lesbianismo. Claro que não sou cego, admito que tudo era bonito, (presta atenção: falar que algo é bo-ni-to, soa como escárnio, sempre que digo isso me dá vontade de rir) a cachoeira, as pedras, a mata, até a cerração. Não estou fugindo do assunto, foi aí que tudo começou.
continua amanhã
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