V
Saio de casa. É manhã. Ainda estou chocado com a forma sem educação de minha deusa. Ora, ora, quem diria, casada. Mas ela não estava usando aliança no dia que a conheci. Eu reparei, sempre reparo. Se não fosse casada tinha alguém, um namorado, um amante, ou melhor ela era amante de algum sortudo. A melhor coisa que faço na vida é esquecer que tudo isso aconteceu. Mulher casada é passaporte para o cemitério. E com tanta mulher bonita no mundo eu vou morrer por conta de uma única? Nem morto! (isso soou como um pleonasmo “vou morrer por causa disso?”, “Nem morto”).
Novamente no meu velho meio de transporte. Hoje não poderia ser diferente - está lotado, está sempre lotado. Não sei o que tanto essas pessoas têm para entrarem no ônibus todos no mesmo horário. Entro de mau humor, fico perto da catraca. Esse barulho todo! Todo esse aperto! Tudo me irrita ainda mais. Uma senhora sentada num banco ao meu lado tenta fazer com que o pestinha do seu filho pare de chorar. Tenho vontade de tomar o filho dos braços dela e dar-lhe umas boas palmadas, para que chore com vontade. Tento afastar-me um pouco daquela criança birrenta. No banco ao meu lado, agora, estão uma moça e um rapaz. Ou são casados ou são irmãos, nem se falam. Pelo menos não preciso me aborrecer mais. Olho em direção ao banco onde deixei o menino e sua mãe, que bom que consegui me mexer dentro dessa lata de sardinha. Alguém toca as minhas costas. Penso que é mais um dos inúmeros idiotas que povoam os ônibus de todos os lugares do mundo.
- Rui?
Viro-me. É uma voz de mulher, a mesma voz doce e maviosa que ouvi pela primeira vez há dois dias. Viro-me. Cena surreal. Ela me sorri. Como pode sorrir dessa forma tão despretensiosa depois da forma como me tratou no dia anterior? Acaso seria ela uma alienada que fugiu do hospício ou algo parecido? Sim, porque até que a gente vê bastante altos e baixos, mas assim já é um pouco absurdo, num dia diz que não lhe conhece, no seguinte, parece sua amiga de infância. E é assim mesmo que ela me olha - como se fôssemos amigos de mais remota data.
- Venha aqui – completa ela.
Fico entre a cruz e a fogueira. Não quero ir, mas me parece que nesse momento quem manda em minhas pernas não sou eu, mas uma força poderosa e desconhecida chamada Edite.
Em menos de dois segundo estou ao seu dela. Ela sorri, seu sorriso ilumina todo o ônibus. Acaba com as mágoas em meu coração. Nem mais entendo como conseguimos ficar tanto tempo separados. Encaro-a e sorrio como um idiota, isso porque tenho certeza de que estava escrito isso em minha testa e o pior é que ela soube ler todas as letras, aquele sorriso é o de quem está dizendo “Eu sei, Rui, você está louquinho por mim”.
Eu? O mestre Rui? Acho que é pretensão dela se está pensando isso, só pode ser realmente louca. Engulo aquele nome idiota desenhado em minha testa e ponho-me galante e faceiro, como se nada tivesse acontecido, como se, no dia anterior, ela não tivesse me tratado como um lixo. Ossos do ofício, penso eu. Hoje Edite está deslumbrante, vestidinho curto, os cabelos jogados num grande rabo de cavalo, os seios saltando pelo decote mais que provocativo.
- E aí? E o nosso almoço de hoje? Vai acontecer?
- Hã?
- O nosso almoço?
- Claro quer dizer... foi para isso que eu liguei para você ontem, mas pareceu que você não estava podendo falar.
- Você me ligou ontem?
- Pois não foi o que disse?
Dissimulada de uma figa! Agora fingi que não se lembra de que falou comigo? Boa desculpa, mas essa não cola, não depois do carão que levei. Se eu tivesse vergonha na cara nem ao menos lhe daria conversa. Mas como homem é um sujeito idiota que basta ver mulher com perna de fora e toda a sua ideologia muda da água para o vinho...
- Você não me ligou ontem...
- Pois seria capaz de jurar que sim. O seu número não é 978....
- Ah, sim... Lembrei-me... Era você? Perdoe-me, eu estava terrivelmente transtornada com algumas coisas que me aconteceram e não consegui me lembrar de quem era você. Desculpe-me, Rui.
- Ah, tudo bem.
- Mas e quanto ao nosso almoço?
- Quando você quiser.
- Pode ser hoje?
- Claro. Quero dizer... pode... se você quiser conversar, porque o livro eu deixei em casa.
- Oh, não tem problema, o que eu queria mesmo era conversar um pouco, relaxar. Ando tão ocupada com meus problemas que estou mesmo precisando conversar com alguém. Topa?
- Tudo bem. A que horas? Você tem preferência?
- Depois das onze está ótimo. Eu espero você no café ou você prefere um outro lugar?
- Por mim tanto faz. Você é quem escolhe.
- Hoje pode ser no café. Em outra ocasião iremos a um lugar melhor. Você não vai?
- Vou, claro que vou. Encontro você lá.
- Estou dizendo se você não vai descer, acho que é o seu ponto.
- Putis! É mesmo. Até me esqueci. Então, tchau. Vejo você lá – digo eu apertando a cordinha pedindo para o ônibus parar.
Desço do ônibus e Edite continua me acenando um adeus discreto.
Entro na repartição distribuindo bom dia e sorrisos. É claro que isso não passa ileso por ninguém.
- Viu passarinho verde, Rui?
- Não, vi foi uma deusa que veio à terra para encantar os homens.
- Está apaixonado.
- Você deve ter comido pinga. Eu apaixonado? Demora, hein.
A manhã passa voando. Antes de sair para o almoço peço ao Pimenta para que esconda a minha fuga, caso eu demore um pouco mais do que o comum. Ele me sorri e bate em minhas costas. Eu saio da Prefeitura antegozando o maior de todos os milagres de minha vida, sair com uma deusa daquelas.
Continua amanhã
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Como pegar mulher em balada
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