Ninho de Risos: Como Xavecar Uma Estranha e Se ferrar de Verde e Amarelo 2

domingo, 24 de outubro de 2010

Como Xavecar Uma Estranha e Se ferrar de Verde e Amarelo 2

Cruzo minhas pernas e toco nas suas. Ela se meche. Leva a mão ao rosto num sinal claro de quem diz, nem pense em passar a mão nas minhas pernas, eu estou bem acordada e trago dentro da minha bolsa um spray de pimenta, não vou pensar duas vezes antes de usá-lo em um idiota como você. O ônibus continua parando a cada cinco quarterões e cada vez que para sobem cinco, seis, pessoas. Já está lotando. Um homem para ao meu lado certamente querendo o mesmo que eu - analisar aquela mulher. Vendo-me ali ao lado não se anima a continuar sonhando com aquela mulher e parte para o fundo do ônibus onde provavelmente encontrou algo que lhe pareceu melhor, ou, no pior dos casos, bem menos vestida. Começo a bater o pé no assoalho do ônibus na esperança de que ela olhe para mim. Isso não acontece.

O maior e mais intrigante de todos os mistérios do mundo é como se iniciar uma conversa com uma estranha. É a parte mais complicada de se aprender ou de se desenvolver, porque afinal de contas, uma palavra errada, tudo o que se planejou vai por água abaixo. Vejo o homem como uma serpente, está preparado para o bote. Sabe que se errar pode não ter uma segunda chance, então o bote é planejado e estudado para que nada aconteça errado, para que seja perfeito, preciso e faça sua vítima. Eu me preparo como uma naja que ergue a cabeça para olhar a sua vítima mais de perto. Mas o pretexto para iniciar a conversa não aparece. O que falar? O fato de ela estar de olho fechado agrava e muito a situação, ela não está querendo conversar comigo, não está querendo começar um relacionamento dentro de um ônibus. Isso me perturba. Mas o rosto angelical e belo dela me motiva a não querer desistir. E a observo mais atentamente.

A calça não é de marca, a blusinha não é nova, o sutiã parece ter sido comprado a menos de mês ou ter sido usado bem poucas vezes. Lógico que um sutiã preto não é algo que você possa usar com tanta frequência, ainda mais nesse nosso país que obriga as pessoas a sempre andarem com roupas leves e confortáveis. Ela provavelmente gostava de andar com blusinhas que lhe mostram as costas e o colo. Claro que era uma pessoa que sabia se vestir, ela jamais usaria aquele sutiã com uma blusinha que não o escondesse completamente. Sua bolsa parece ter sido comprada numa barraquinha de camelô, o simbolo da marca já estava descascando o que não aconteceria se fosse uma bolsa original. De repente olho para a sua mão e vejo um grande anel que tem uma cruz com laço numa imitação barata de prata. Não é prata. Como sei? Não sei, só sei que sei. Pronto! Num detalhe tinha o que dizer.

- Moça – digo eu baixinho, quase sussurrando para fingir que penso que ela pode estar dormindo. - Moça.

Ela abre quase imperceptivelmente um sorriso no canto da boca. É aquele sorriso de quem diz – eu sabia que você iria me encher o saco. Ela abre os olhos como se suas pálpebras pesassem quilos. Encara-me. Tem a maçã do rosto avermelhada, não sei se de saúde ou de vergonha. Mas acredito que deve ser saúde. Sua boca se abre e posso ver-lhe parte dos dentes super alvos. Ao se mexer sinto o cheiro de seu perfume que até então não sentira. É um perfume cítrico amadeirado. Sinto-o entrar pela minha narina e o trago como se com ele pudesse engolir sua dona. Seus olhos, agora, posso vê-los, são castanho esverdeados, lindos, seu nariz foma um triângulo perfeito com o seu queixo.

- Oi, desculpe-me por perturbar-lhe. Mas gostaria de lhe perguntar se você é fraquentadora de alguma espécie de ritual de feitiçaria.

Parece estranho uma pergunta como essa num lugar como um ônibus. É claro que eu tinha tudo sobre controle. Aprendera durante anos que fazer a pessoa pensar numa resposta é um convite a conversa. Ela olhou-me. Aquela pergunta havia lhe deixado sem resposta. Ela deveria estar esperando uma cantada mais direta, como “nossa! os seus olhos são de que cor?”, “eu acho que conheço você de algum lugar” ou cosa parecida e vem um louco e faz-lhe uma pergunta dessas? É mesmo para deixar qualquer mulher sem resposta.