Tem alguns pontos relevantes que talvez ninguém saiba sobre o fato de ficar isolado em uma ilha. Primeiro o fato de não podermos nunca tomar um banho descente, quando isso acontece em pleno calor a situação piora, pois os odores do corpo são realmente incômodos; segundo é o fato de a gente não poder lavar direito aquelas “partes”, que ficam escondidas para a maioria do povo, o que gera um incômodo ainda maior e o acúmulo de uns mosquitos chamados simpaticamente de enrola-bosta. Então reflita melhor antes de dizer que estar numa ilha deserta com sua amada é algo agradável. Garanto-lhes que não o é.
Ao me aproximar de Luana, naquele clima romântico no começo de noite, eu tremia, fechei os olhos e esperei o beijo desejado há tanto tempo. Mas o beijo tardou e um odor desagradável penetrou pelo meu nariz acabando com o romantismo do momento. Eu abri os olhos e ela vinha com sua boca de encontro a minha. Mas confesso que aquilo parecia uma tapa em minha cara. Acho que me esqueci de citar que a falta do uso diário da escova de dente também causa um mau-hálito terrível. Pois foi esse mau hálito que quebrou nosso clima. Acredito que eu senti o dela e ela o meu, pois ambos nos afastamos quando pudemos finalmente sentir nossos lábios unidos. Não dava, afirmativamente digo que não perdi nada, a coisa estava muito fedida e a partir dali pude deduzir que tirar o restante de sua roupa poderia não ser uma atitude sensata. Ela encarou-me com o nojo estampado no rosto e acho que a minha face não dizia coisa diferente, pois também o meu afastamento foi automático e até certo ponto deselegante. Fingi naturalidade e passei a mão em seus cabelos, no que não fui feliz, pois os seus cabelos ressecados prenderam os meus dedos em seus nós.
- Acho que seremos bons amigos – disse eu tentando contornar a situação.
- Claro que seremos. Eu só tenho a agradecer pela atenção e o carinho com que você me tratou, até posso garantir-lhe que nunca ninguém me tratou assim.
Se ela estivesse cheirosinha garanto-lhe que eu a trataria como todos os outros, mas como estava, não tinha nariz que aguentasse. Revestido de muita coragem eu a abracei somente para que ela sentisse que havia algo entre a gente.
- O que acha de dormirmos?
- Vamos. – disse ela se levantando. - Mas nem pense em safadeza.
- Fique tranquila – respondi. – eu não ousaria nem me insinuar.
E duvido que tivesse essa coragem mesmo.
Deitamos um de costa para o outro e dormimos a sono solto. Só acordei quando o sol já estava alto por causa de um casal de papagaios ou periquitos que resolveram aprontar a maior bagunça sobre as nossas cabeças. Mas isso só incomodou a mim, porque Luana continuou dormindo sem preocupação. Que sono!
Levantei-me pronto para mais uma pescaria, já que os peixes do dia seguinte tinham sido devorados pelas traidoras. Peguei a meu improvisado arpão e parti para as pedras. Em pouco tempo eu tinha pegado um bom número e quando eu me preparava para voltar à barraca, foi que avistei no horizonte um navio ou barco. Acenei com os braços abertos sem saber exatamente se seria bom.
Ou era muito cedo ou aquelas mulheres tinham morrido, pois em momento algum as vi na praia. Eu só queria entender porque tem gente que gosta tanto de dormir.
Corri até a beira da praia. O navio avistado, na verdade não era um navio, era uma lancha, iate, sei lá o que, só sei que pelo seu tamanho conseguiu aproximar-se da praia. Dois homens uniformizados acenaram-me enquanto lançaram um bote na água. Em poucos minutos eles estavam apertando minha mão.
- Ei, você é o Juca?
- Sou eu sim.
- Somos oficiais da Marinha, estávamos procurando por você e pelas modelos que caíram no mar.
- Estão todas bem, não sei como.
- E onde estão?
- Dormindo.
- Acorde-as, é hora de irmos embora.
Nem foi preciso dar-me ao trabalho de caminhar até a barraca delas. Suzana já havia avistado a embarcação e já acordara todas as modelos que vieram correndo como loucas quase chorando. E quase chorando eu vi o oficial ao ver aquelas mulheres nuas correrem ao encontro deles com suas “vergonhas” à mostra. Os oficiais ficaram sem graça, mas mantiveram a compostura, disseram que na lancha haveria alguma coisa para vestir, ou pelo menos se cobrirem.
- Que bom que o senhor apareceu, eu já não aguentava mais essa maldita ilha – disse Juliana.
- E que mal lhes pergunte por que estão todas praticamente nuas?
- É uma longa história que prefiro contar a caminho de casa. O que estamos esperando? – perguntou Juliana.
- Esperem um pouco que vou chamar Luana – disse eu.
Sai andando sem pressa. De certa forma eu queria ser resgatado, mas por outro lado eu queria ficar ali. Eu estava bem confuso. Entrei na barraca. Luana continuava a sono solto, os cabelos caídos sobre o rosto, passei a mão e retirei os cabelos da frente da sua face. Era o fim. Pelo menos eu havia tentado. Balancei-a carinhosamente.
- Luana. Luana.
Ela despertou lentamente. Viu-me. Sorriu.
- Ãh?
- Vamos embora. A Marinha nos encontrou.
Primeiro ela sorriu certamente pensando se tratar de uma brincadeira, mas tão logo se deu conta de que eu falava a verdade, levantou-se lesta.
- O que foi que você disse?
- Estamos salvos.
Ela correu para fora da cabana e viu suas amigas todas já dentro do bote. Voltou-se para mim.
- Estamos salvos, Juca.
Abraçou-me e beijo-me, depois correu para o barco também.
Eu olhei para a cabana. Era o fim mesmo. Virei-lhe as costas e fui me juntar a elas no bote. O motor foi ligado, logo estávamos na lancha e em questão de minutos eu via a ilha desaparecendo no horizonte. Estávamos salvos realmente. Ao aportamos vi Luana e as outras meninas serem engolidas por um bando de repórteres e curiosos. Por fim, todas desapareceram e eu fiquei sentado no porto, anônimo. Ninguém estava fazendo a mínima questão se eu estava vivo ou morto. Levantei-me, precisava também voltar para casa e a ser o velho zero à esquerda de sempre. Quando me virei vi Rodolfo vindo em minha direção.
- Eu pensei que você estava morto. Que bom que nada de ruim aconteceu. Eu estava só esperando por você. Vamos embora. Todos estão morrendo de saudades.
Eu bem queria que aquilo fosse verdade. Ele passou a mão pelo meu ombro e caminhamos até um carro que nos esperava. Certamente eu nunca mais veria aquelas mulheres e aquela história morreria comigo em minhas lembranças. Pelo menos tinha sido diferente.
- Juca do céu, vamos ter que passar no hotel antes, você está fedendo igual peixe.
Eu sorri sem graça. Era o que eu imaginava. Seguimos para o hotel.
A história poderia ter terminado aqui. Eu a escrevi como o último capítulo da minha louca aventura em uma ilha deserta. Mas mal sabia eu que aquilo ainda não tinha terminado. Eu ainda teria que escrever o prólogo, dias depois. Amanhã eu termino.
Continua...
102 maneiras de olhar Fernando de Noronha
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