O Jorge foi à minha casa cobrar uma velha dívida. Chegou no portão com um jeito sério, de poucos amigos, mordiscando o canto da boca. Encostou-se ao portão e balançava a cabeça para todos os lados enquanto eu o observava da janela de casa. Era certo que dessa vez a coisa iria ficar feia. Um bom caloteiro nunca pode deixar a situação de uma dívida chegar á esse extremo, ele deve se antecipar ao problema, porque nesses casos, uma reconciliação, torna-se muito difícil, quase impossível, é preciso ser muito esperto para fugir dela.
Entrei correndo no quarto e peguei um cobertor, passei um pó no rosto, o que me deu uma aparência doentia e sai espirrando e tossindo.
- Não carece entrar não, minha conversa é rápida.
Caminhei meio trôpego até o portão, quando me encostei à grade resfolegava igual a um burro que correra uns dez quilômetros. Seu Jorge me olhou meio sem jeito, agora. Eu havia lhe impressionado.
- Você está doente, Bento?
- Se estou! Não imagina que peguei uma maldita gripe...
- Gripe é doença de rico.
- Não essa.
- O que é que ela tem de especial?
- Essa é a famosa Gripe Moicana...
- Gripe Moicana? Que Diabo é isso?
- Os médicos não sabem muito sobre ela. Fui aqui no posto de saúde ontem e o Dr Alfredo me mandou embora dizendo que era uma gripizinha à toa, mas de madrugada, fui ficando ruim, ficando ruim, com febre, dor de cabeça, vômito e uma dor dilacerante no estômago. Quando foi umas três horas da madrugada não aguentei, tive que ir para o Hospital. Quando o médico me viu disse que tinha que me levar para a UTI, que meu caso era muito grave, mandou até avisar a família, disse para a minha mãe que seria um milagre se eu saísse de lá vivo e se eu não contaminasse todo o hospital. Aplicou-me uma injeção doída e depois pediu para que eu ficasse trancado em casa por quarenta dias, sem falar com ninguém.
- Não acredito, Bento. Que situação!
Aproveitando-me da cara de pavor de Seu Jorge, tossi direcionando a boca em seu rosto. Deu certo. Quando ele sentiu as gotículas de salivas lhe caírem no rosto, disfarçou, virou-se, limpou o rosto.
- Mas o que é que o Senhor queria?
Seu Jorge coçou a cabeça, afastou-se do portão:
- Nada, não. Só estava passando e resolvi lhe fazer uma visita. Faz um tempão que você não aparece mais em casa. Vim lhe cobrar uma visita. Assim que você sarar, é claro.
Quando você acha que a sua mentira está convencendo é bom acrescentar mais alguma coisa para dar um ar de seriedade maior.
- Seu Jorge, não vou lhe prometer que vou, porque nem ao menos sei se escapo dessa . Aposto que, depois de morto, o Senhor não vai querer que eu lhe visite, não é?
- Mas você escapa, sim, você é novo, forte...
- O senhor é que pensa, Seu Jorge, respondi enchendo os olhos de lágrimas.
- Por que você tem mais alguma doença, Bento?
- Seu Jorge, não vamos entrar em detalhes, mas posso lhe garantir que se eu escapar da Gripe Moicana, não escapo do...
Os olhos do velho se arregalaram e se encheram de lágrimas.
- Não precisa continuar se não quiser, entendo os seus problemas e só posso rogar a Deus que ilumine você.
- Amém, Seu Jorge.
Quando você consegue revirar toda a situação é hora do golpe mortal.
- Seu Jorge, foi até bom o senhor aparecer por aqui. Eu estou com problema para sacar o meu auxilio doença, estou passando necessidade, além de não ter dinheiro para comprar um remédio muito caro que o medico me receitou. Será que o Senhor não poderia me ajudar emprestando-me uns dois mil Reais. Assim que eu receber o meu auxílio doença eu lhe pago.
- Ô meu filho, gostaria muito de poder ajudá-lo, mas não estou podendo.
- Entendo, Seu Jorge. O senhor já é a décima pessoa para quem eu peço esse dinheiro e não pode me ajudar. Vamos fazer o quê? É por isso que eu digo que pobre é igual cachimbo, nasceu para levar fumo... mas não se preocupe, Seu Jorge, vou dar um jeito de arrumar essa grana e, assim, pagar, também, aquele dinheiro que eu lhe devo. Se Deus quiser, não vou morrer antes de lhe pagar, fique tranquilo.
- Não se preocupe com isso, Bento, não estou lhe cobrando. E deixe-me ir que estou tão ocupado hoje.
- Vai não, está cedo.
- Cedo nada, tenho que trabalhar senão o Brasil para. Tchau!
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