O dia sete de setembro traz-me boas recordações.
Quando eu estudava, lembro-me bem da Semana da Pátria, semana na qual riscávamos as folhas do caderno com dois riscos largos, verde e amarelo, de fora a fora e cantávamos o Hino Nacional, ou pelo menos tentávamos. Sempre fui um patriota, estilo Policarpo Quaresma. Eu li Jean de Léry, falei em Tupi-guarani e quase chorei quando uma tia minha entrou em casa, depois de ter desaparecido por muitos anos. Ela pensou que era saudades, eu disse que não, era o cumprimento Tupinambá. Como já contei aqui, decorei praticamento o livro mais nacional de todos – Iracema, e decorei o Hino Nacional que ficava cantando enquanto o sol do meio-dia cozia minha cabeça quando trabalhava de servente de pedreiro.
O tempo de servente passou, do nacionalismo também. E eu, no primeiro colegial, era, então, um revoltado. Não concordava com a política do meu país e, embora, o berço esplêndido não deixasse de existir, a dor pela qual milhares de famílias passavam no meu país a fora começou a me enervar e a Bandeira Nacional do meu quarto foi substituída pela imagem do Che Guevara.
Numa semana da pátria, meu professor de português, conhecedor da minha “literariedade”, pediu-me um poema em homenagem ao Brasil, para que fosse lido em ocasião solene no pátio da escola, no dia seis de setembro, onde se reuniriam algumas importantes autoridades do município e todos os alunos. Eu nunca tive problemas para me apresentar em público, sou dono de uma cara de pau incrivelmente lustrada. Aceitei o convite e fui representar a minha sala.
Sentado diante de um caderno, naquela época escrever era uma arte de desenhista, tudo o que me vinha a cabeça, no auge da minha revolta patriótica, eram bobagens que eu queria descartar. Eu queria algo bonito, como “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”, mas não vinha inspiração, vinha só a “minha terra tem favela onde manda o narcotráfico”. Tentei, ninguém pode dizer que não tentei. Acabei montando um poeminha besta, sem graça e mentiroso.
Na segunda aula, depois que o sino tocou, fomos todos ao pátio. Cantamos o “Japonês da Pátria Filho”, como dizíamos quando éramos crianças, o Hino Nacional, que já naquela época não saia de minha boca com todas as sílabas e vírgulas e começaram as apresentações. Jograis, que eu odiava, músicas cantadas, dançadas, tudo muito bonito, em homenagem a terra do Brasil e sua Independência Política. Até que chegou a minha vez.
Subi ao palco segurando uma folha de papel, meu professor encarou-me de longe como a me apoiar, sua confiança em mim era tão grande que, nem ao menos, fez questão de ver meu texto. Eu, também, não insisti, temendo ser censurado. Segurei a folha de papel abaixo do peito e encarei toda a escola. Lá, como é típico de cidade pequena, estavam o delegado, o sargento, os vereadores, a diretora da escola que me amava, os professores que me amavam e os que me odiavam e alguns pais mais dedicados.
Pigarrei alto e o silêncio foi horrível. Num minuto senti minhas pernas bambas, era como se o que eu fosse dizer fosse algo errado, como se eu estivesse mentindo para os meus pais. Então fiz a coisa mais impensada de minha vida. Peguei a folha de papel e rasguei-a em frente a todos.
- Mentira, hipocrisia. Quem, aqui, tem coragem de subir nesse palco e cantar sozinho, sem a ajuda desse disco arranhado, o Hino Nacional... Alguém se habilita? – o silêncio foi enorme. As autoridades me encaravam e não sabiam exatamente onde eu queria chegar. Meu professor olhou enviesado como se aquilo não estivesse no nosso acordo.
- Os brasileiros somos hipócritas. Colocamos a mão no peito diante da Bandeira que nem ao menos sabemos quantas estrelas tem. Abrimos a boca fingindo que sabemos o Hino Nacional e fingindo, mais ainda ,quando a aplaudimos como se a amássemos acima de tudo. Ó Pátria, se fosse um ser onipresente e tivesse tantos ouvidos quanto o número de filhos, ouviria a verdade sobre o que pensamos sobre você. Que temos vergonha dos seus filhos desnutridos e analfabetos, que temos vergonha da polícia corrupta, do político corrupto, das instituições que pregam o respeito, mas não respeitam as leis que deveriam fazer desse país o paraíso, a nossa terra de palmeiras onde canta o sabiá, mas que são esquecidas e nunca usadas para manter a ordem.
De tudo isso só há algo a dizer, orgulho não temos. Não somos independentes, Dependemos do capital estrangeiro, dependemos da arte estrangeira, das regras estrangeiras e do amor estrangeiro. Não conhecemos nossa bandeira, assim como não conhecemos nosso Hino, mas nos orgulhamos de não termos que representar Portugal numa Copa do Mundo. Assim, porém, convido todos para cantarmos o Hino Nacional Português, quem não souber, não tem problema, é só fingir, assim como fingimos ainda a pouco diante da Bandeira do Brasil e está tudo certo, ninguém vai reparar.
Heróis do mar, nobre povo
Nação valente, e imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal
Não preciso dizer que fui vaiado, brasileiro pode não amar o seu país tanto como eu disse, mas nunca, em hipótese alguma, admite isso. Alguém saiu me empurrando para fora do palco, a diretora entrou pelo corredor e foi para a sua sala e os alunos tiveram de voltar a suas salas.
O que aconteceu em seguida? Usem a imaginação, mas posso dizer que nunca mais me permitiram subir ao palco novamente naquela escola, e “o amor que poucos me tinham, era pouco e se acabou”.
assistam a esse vídeo sobre o Dia do Fico
dos mestres Humor Tadela
Lula e Dom Pedro - o Dia do Fico (charge animada)
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