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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Os Princípios da Traição - a casa caiu!

      VI

- Minha senhora, a senhora não faria isso.
- Não? Experimente sair daqui.
- O que a senhora quer?
- Primeiro que pare de me chamar de senhora. Depois que me cure.
- Está brincando com fogo.
- Estou, venha me queimar.
Dizendo isso Andreia avançou sobre mim. Não mais consegui me conter, juro que tentei. A merda estava feita. O bom é que a partir daí a moça ficou curada; o problema é que se Valadão descobrisse eu seria um cara morto.
Sou um idiota, eu poderia muito bem ter fugido dali. Ela estava blefando. Mas eu não fugi. Fiquei parado esperando que ela viesse me prender a si como uma aranha agarra o mosquito em sua teia. Eu estava paralisado. Tive que presenciar aquela cena de uma mulher atirando-se sobre mim como uma faminta sobre o prato de comida. É lógico que depois do primeiro beijo o meu bom senso foi para um lugar tão, tão distante que não pude mais encontrá-lo. Atirei-me à minha perdição, deleite-me sobre algo que eu sabia que não tinha direito algum de provar. E me refestelei sobre aquele apetitoso prato. Se eu morreria depois daquilo, o que importava era realizar o meu sonho de consumo. Eu não comentei que sempre que Andreia passava na rua, em frente a farmácia, eu ficava louco. Ela me olhava e sorria. Eu pensava que ela estava apenas sendo simpática. Descobri que não, ela já me paquerava e eu não percebia. Homem é um bicho bem lento, demora demais a pegar as coisas no ar. Em compensação não demora nada para se jogar sobre o abismo do prazer.
Ela deslizou até a cama e eu a acompanhei. Ali, como diria minha mãe, nos refestelamos no prazer. Eu a amei como um louco. Ela parecia tão carente e sozinha quanto eu. Que bom, unimos o útil ao agradável.
 Quando, mais tarde, fui embora ela me abraçou e me beijou de uma forma tão ardente e tão pueril que, por um momento, senti pena daquela mulher aprisionada a um casamento que não lhe rendia satisfação alguma. Mas quem eu era para querer ir contra as leis do matrimônio mal feito. Casou está casado. Não posso participar da desilusão amorosa de uma mulher. E arrependi-me por ter sido tão fraco, isso era bem a minha cara, ser fraco e cair em tentação, quando assunto é mulher. 
Voltei à farmácia. Às onze horas fechei-a e fui para casa. O almoço estava pronto. Minha mãe estava com um discurso qualquer na ponta da língua, como sempre. Passei  direto por ela e pelo meu almoço e fui para o meu quarto. Comi um pacote de biscoitos comprados no dia anterior e fiquei sozinho relembrando cada detalhe do meu sonho real. Tudo aquilo que acontecera era realmente muito bom, a única coisa que me preocupava era se Valadão desconfiasse dos meus nobres propósitos. Mas isso só poderia acontecer se Andreia lhe contasse. Ela não faria isso, conhecendo o marido que tinha, não seria tola, ele a mataria junto comigo que era  para lhe fazer companhia no Inferno. Esses pensamentos me deixaram inquietos. Eu não conseguia pensar no prazer sem pensar na dor que isso poderia ocasionar. Acabei adormecendo em meio aquele calor do mês de novembro.
Acordei com o celular tocando, bem na hora que eu estava tendo um pesadelo com Valadão me estripando. No momento que vi a faca perfurar-me, meu telefone tocou me livrando de uma morte terrível. Ainda bem, era capaz de eu ficar traumatizado. Atendi com a voz embargada de sono.
- Pronto.
- Doutor, é o Valadão.
Senti que os pelos do meu corpo se arrepiaram todos. Engoli em seco.
- Pode falar, senhor Valadão – disse tentando manter a calma.
- Eu acabei de ligar para minha esposa, ela me disse que ainda está ardendo em febre e sentindo muitas dores por todo o corpo – pensei que a febre deveria ser o fogo da senvergonhice e a dor no corpo, das muitas posições. Ri em pensamentos enquanto sentia minhas pernas bambas.  – O Senhor não descobriu o que tem ela, doutor?
 - É uma infecção na garganta, nada demais.
- Mas os remédios já não deveriam tê-la livrado da febre e da dor no corpo?
- Às vezes demora um pouco.
- Doutor, por favor, cuide dela pelo menos por essa tarde.
- Olha, Senhor Valadão, isso não convêm. Sua esposa está sozinha em casa, o senhor morre de ciúmes dela, ainda pensa que eu vou ficar enfiado, uma tarde inteira, dentro de sua casa? Para que o senhor possa querer me acusar futuramente de ter desrespeitado sua casa.
- O Senhor não pode pensar dessa forma, não. Prometo-lhe que não vou encrespar para o seu lado.
- Isso o senhor diz agora. Quero ver quando os vizinhos começarem a dizer-lhe que enquanto o senhor viajava o doutor cuidou de sua mulher.
- Já disse que não vou lhe fazer nada, desde que o senhor respeite a minha casa, está tudo bem.
- Eu vou, então – disse eu comemorando. Era a carta branca para eu poder fazer tudo o que quisesse com Andreia, sem medo. Quase escapou um muito obrigado, que seria bem desastroso.
- Doutor, por favor, não demore. E, por enquanto, obrigado.
- De nada – disse eu desligando o telefone e correndo para o banheiro. Iria tomar um banho e correr para a casa de Andreia.
Qualquer um é prova viva de que o homem havia me dado carta branca. O que mais eu estava esperando. O que disse ele era como dizer - pode mandar ver na minha mulher. Para mim aquilo tinha o mesmo peso. 
Bati palmas ao portão da casa de Andreia. Dona Geralda, sua vizinha, veio ver quem era. Velha curiosa, certamente seria a primeira a ir fazer fofoca a Valadão. Encarei-a como quem diz - esculte aqui, sua velha fuxiqueira, só estou aqui porque o dono da casa me mandou vir. Mas teria que explicar demais. Afinal, de um jeito ou de outro, a maldita velha iria falar abobrinhas para Valadão. Ouvi a voz debilitada de Andreia pedindo para que eu entrasse. Olhei mais uma vez para a velha Geralda e entrei no quintal. Abri a porta da casa. Andreia pulou em meus braços como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Não que eu tenha achado ruim, isso não, foi muito legal ser recepcionado daquela forma, mas senti-me como um seu namorado que chegava de uma longa viagem e lembrei-me novamente do que Valadão me dizia. 
A traição em si não é ruim, o que piora a situação do traidor é a sensação da deslealdade. Eu havia ficado injuriado com a afirmação de Valadão, dera a minha palavra de que nada de desrespeitoso faria com sua esposa, e, no entanto, lá estava eu, com sua esposa, saudável, segura em meus braços e pronto para levá-la mais uma vez para a cama. Eu estava certo de que aquilo não era parte dos cuidados que Valadão queria que eu dispensasse a sua esposa. Imaginei-o vendo aquilo. Senti um arrepio que Andreia confundiu com excitação. Mas já dizia um velho ditado -  para trair e coçar  é só começar. Eu não poderia deixá-la agora, o mal já havia sido feito e não havia nada que eu poderia fazer para remediar o acontecido; Uma transa a mais ou a menos não faria a menor diferença. 
Atirei Andreia sobre a cama e lá fomos nós como dois animais ferozes darmos vazão aos nossos desejos. Foi melhor do que manhã anterior, parecia que seria melhor no dia seguinte e no próximo e sucessivamente, até o final dos tempos. Eu estava certo de que nunca houvera conhecido uma mulher tão plenamente satisfatória como aquela. Talvez isso fosse simplesmente a soma de sua beleza física à  suas loucura na cama, à adição do proibido. O proibido sempre foi o mais gostoso. Lembro-me que quando criança, morando no interior, em época de frutas como manga, poncã, jabuticaba... Nós, éramos um  grupo de quatro moleques, saíamos a cata de frutas nos sítios. As frutas mais gostosas estavam justamente nos sítios que não tínhamos permissão para entrar. Mas pegávamos assim mesmo. O gosto daquelas superava o daquelas que tínhamos permissão para pegar. Reafirmo - proibido é sempre mais gostoso. Eu estava revivendo a sensação, com o diferencial de que, agora, o fruto proibido era bem melhor do que qualquer jabuticaba, manga, poncã... Era a fruta da perdição. E eu me perdi. Perdi-me entre os seus cabelos encaracolados, entre suas pernas grossas, entre seus beijos. Ao final, estávamos de tal forma unidos que era praticamente impossível saber que perna era de quem, que braço era de quem. Unidos num só corpo. Ousaria até mesmo blasfemar dizendo que até nossas almas pareciam unidas.
Tudo muito bom, tudo muito legal. Saí da casa de Valadão às horas da noite. Que tarde ótima! Voltei de madrugada. Entrei me esquivando por entre a escuridão. Andreia havia preparado uma pequena ceia para nós. Comemos e nos comemos. Acabei adormecendo. Acordei com o sol já a pino, cansado, porém satisfeito. O problema era como sair sem chamar a atenção dos vizinhos que certamente estariam prestando atenção especial a Andreia, por conta da ausência de seu marido. Acordei-a carinhosamente, dando-lhe beijinhos de leve em sua  boca.
- Andreia, estou indo embora.
- Vai não. – disse-me ela se espreguiçando - Vamos tomar café primeiro.
- Não, o dia já raiou e eu aqui enfiado em sua casa. Se os vizinho me virem sair estaremos realmente encrencados.
- Eu na queria que você se fosse – disse ela me abraçando.
- É preciso.
- Não – disse manhosa. – Quero mais alguns beijinhos, nunca fui acordada com tanto carinho. -  beijou-me com sofreguidão e novamente fizemos amor. Quando tudo acabou já era mais de dez horas da manhã. Arrumei-me pronto para ir embora, não iria a Farmácia, aquele seria o meu dia de folga. Há mais de dois meses eu não folgara um só dia. Saí na ponta dos pés para não despertar a suspeita dos vizinhos. No entanto, Dona Geraldo estava detrás da cortina da janela da sala de sua casa e eu tinha certeza de que ela estava me olhando. Deve ter entendido que eu passara a noite na casa de Andrei. Agora não tinha como evitar, mas seria a palavra dela contra a minha.
Voltei para casa. Tive que aguentar minha mãe querendo saber onde eu havia passado a noite. Não respondi;, Rumei direto para o meu quarto, peguei eu celular e liguei para o Seu Vicente.
-Seu Vicente, não vou poder ir trabalhar hoje.
- Nem precisa me dizer, já estou sabendo...
- Sabendo o quê?
- De sua aventura noturna. Você é um cara inconsequente, mas, sem sombra de dúvidas, um cara de sorte. Deu-se bem, rapaz.
- Do que o Senhor está falando?
- Não se faça de desentendido, todo mundo da cidade está comentando o seu caso de amor com a ex-mulher do Valadão.
- Ex? Ela ainda é a mulher de Valadão. E eu não fiquei com ela.
- Para mim você pode dizer, sabe muito bem que não contarei a ninguém.
- Ah, Seu Vicente, que conversa mais sem cabimento. Já pensou uma conversa dessas caindo no ouvido do Valadão? Eu morreria de graça.
- Então, é melhor você encomendar o caixão, pois sua aventura amorosa criou um falatório só nessa cidade.
- O Senhor está brincando!
- Para o seu azar, não. Estou falando sério. Já perdi as contas de quantas pessoas vieram à farmácia me contar a sua história. Posso lhe assegurar que foram bem mais de dez.
- Tudo bem. O que podemos fazer se o povo dessa cidade parece que não tem o que ocupação e fica de conversa fiada. Quero ver provar. Eu estive lá ontem à noite e hoje pela manhã, porque ela estava precisando, tadinha! Tão doente! E sem ninguém por ela, o marido viajando. O que esse povo estava esperando? Que eu deixasse a pobre morrer à míngua por medo do que fossem falar – disse exaltado.
- Calma. Eu não disse nada a ninguém, não estou espalhando fofoca alguma, eu só ouvi.
- Pois ouça e guarde para o senhor; O próximo que aparecer aí contando essa história mande vir falar comigo, vou processá-lo por calúnia e difamação. Passar bem, Seu Vicente. – desliguei o telefone preocupado. Afinal uma conversa como aquela caindo nos ouvidos de Valadão certamente o fariam esquecer-se de tudo o que me disse.
Tirei a roupa e deitei. Estava pensando em como escapar daquela loucura. Valadão me dissera que voltaria em três ou quatro dias. Se fosse em três, naquela mesma tarde ele estaria de volta à cidade e eu estava rezando para que nada daquilo caísse em seu ouvido. 
De repente minha mãe bateu na porta do quarto. Juro que pensei, pelos gritos, que a casa estivesse pegando fogo. Abri a porta correndo.
- O que foi, mãe?
- O que foi, pergunto eu, seu delinquente, aproveitador de mulher casada. Você não se envergonha do papelão que fez. Está todo mundo na cidade comentando que você passou a noite com a mulher de Valadão. Macho você para enfrentar um homem daqueles! - disse debochando. - Não está vendo que quando esse homem chegar ele vai matar, estripar, cortar você em picadinho e dar ao cachorro.
- Nossa, mãe, a senhora me animou bastante.
- Cala a boca, seu imbecil  - disse ela vindo em minha direção dando em minha cabeça tapas e mais tapas, tentando, provavelmente, acertar o meu rosto, o que ela não conseguiu.
- Para, mãe.
- Eu deveria era lhe dar uma surra bem boa, seu galanteadorzinho de segunda categoria. Era isso o que eu deveria fazer, para ver  se entra um pouco de juízo nessa sua cabeça oca. Você está de castigo.
- Eu? De castigo? Aí a senhora acordou? Eu não sou mais moleque para a senhora me por de castigo.
- Se não é parece um.
- Mãe, posso falar?
- Fala, seu desalmado. Sua mãe se matando de trabalhar enquanto você fica por aí atrás de mulher casada. E agora o que vocês vão fazer?
- Vocês quem?
- Você e a mulher que diz que vai se casar com você.
- Que conversa é essa de casamento? Não tem casamento algum. A senhora deve estar ficando louca.
- Pois é o que o mundo diz com uma boca só – o Romeu vai fugir com sua Julieta que se chama Andreia.
- Conversa desse povo, mãe.
- Que parte é conversa?
- Todas. Eu estive realmente na casa da mulher de Valadão, mas a mando dele. A mulher estava doente, ele me contratou para tomar conta dela em sua ausência.
- Duvido que isso seja verdade.
- Quer ligar para ele? Se ele não estiver na estrada à caminho daqui, tenho certeza de que a senhora vai ouvir da própria boca dele a confirmação de que foi ele quem me mandou cuidar de sua esposa que estava com uma séria infecção na garganta.
- Mas o povo...
- Povo? Que povo, mãe? A senhora é que não tem noção, fica dando atenção a esse bando de fofoqueiros. Eu só queria saber quem saiu com essa conversa, iria processá-lo. Ô mania de gente safada, essa. Se a senhora pode me dar licença eu tenho mais o que fazer, não dormi direito com a mulher, com a qual fugirei, ardendo em febre a noite inteira.
- Então você passou realmente a noite na casa dessa tal.
- Mas eu já não disse que passei. Passei. A mando de Valadão. Agora me dá licença, estou cansado.
- Você é maluco! Só espero que essa sua generosidade não dê em sua cabeça.
- Tá, tá, tá. Tchau.
Como essa gente conversa! Já haviam me preparado para fugir com Andreia. Eu fico impressionado com o poder da língua dessa gente. Meu Deus, tende piedade, eles não sabem o que falam, mas sabem falar muito bem, convencem uma cidade inteira a acreditar em qualquer mentira. Na verdade, pensando bem, não é uma mentira exatamente; eles ligam fatos isolados, tiram suas conclusões e saem espalhando-as aos sete ventos. Um exemplo é o meu. 
Fatos
- Andreia sozinha.
+ Marido viajando
+ outro homem dentro de sua casa à noite
+ piorando a situação, saindo pela manhã.
= a chifre na cabeça do marido.

Outros fatos.
- mulher insatisfeita que certamente deveria andar comentando que não aguentava mais o seu casamento com um machista intolerante e nada romântico
+ marido que vive traindo a mulher
+ mulher que tem aguentar bafo de cachaça toda a noite
+ um jovem farmacêutico, lindo, jovem e romântico em sua casa, por muito tempo
= Andreia está apaixonada pelo amante e vai abandonar o marido.
Como está claro, fatos mal interpretados dão margens a esses comentários maldosos. Eu também pensaria o mesmo de qualquer um, os indícios só apontam para um lugar, a testa do marido enfeitada de galhos e mais galhos. Mas eu ainda não estava desesperado porque estava salvaguardado pela palavra do próprio marido, então acho que eu poderia dormir tranquilo, sem me preocupar se aquilo iria ou não me levar a óbito.
Meu celular tocou. Era Andreia.
- Pronto- disse eu já pensando que, pela hora, o seu marido bem poderia ter chegado e, para me testar, ligou do telefone da esposa.
- Romeu, você precisa me tirar daqui.
- Tirar de onde? 
- Da cidade, desse país, talvez até  mesmo desse planeta.
- Por quê?
- Porque tem um monte de desocupados ligando no meu telefone de casa dizendo os maiores absurdos e ameaçando contar sobre o nosso caso ao meu marido.
- Que caso? Não tivemos caso. Valadão foi quem me mandou a sua casa. Esqueceu?
- Você acha mesmo que Valadão vai se valer de sua palavra quando vir a cidade inteira rindo-se dele pelos cantos. Valadão não é homem de levar desaforo para casa, ele vai matar nós dois depois do primeiro desses telefonemas, pode escrever o que estou dizendo. Por isso, quando ele chegar, daqui a pouco, pelo que me disse por telefone, é bom que estejamos bem longe daqui.
- Calma, se sairmos assim dessa forma estaremos assinando nosso atestado de culpa -  tudo o que eu menos queria era sair correndo de casa, sem dinheiro algum, com uma mulher casada à tiracolo e um marido assassino em nossa cola. Não, eu não poderia fazer isso de forma alguma.
- Acho que você não está entendendo. O assunto é grave. Eu conheço Valadão, ele irá nos matar, pode escrever isso.
- Andreia, daremos um jeito. Espere ele voltar e vamos ver o que acontece.
- Você é um frouxo,  Romeu. Assim que Valadão puser os pés na cidade, todo mundo irá correndo contar a ele o que aconteceu, se já não contaram, pois, pela voz dele ao telefone, ele estava bastante irritado.
- Ah, meu Deus.
- Romeu, Deus não irá poder protegê-lo. Arrume suas malas, vamos sair correndo daqui, é a nossa única chance para ficarmos juntos e vivos.
- Tudo bem  - disse eu mais para ganhar tempo do que concordando com aquela loucura toda.
- Você tem carro, não tem?
- Tenho, mas está quebrado, não posso tirá-lo nem mesmo da garagem.
- Então vamos embora de ônibus. Tem um que parte daqui à uma hora, eu estarei lá e se você me quer, ou se quer ficar vivo, acho bom que esteja na rodoviária antes disso.
- Tudo bem. Vou arrumar minhas coisas.
Ela desligou. Fiquei por um tempo olhando a parede, sem ter nenhuma reação, eu não conseguia conceber a ideia de ter que sair correndo da minha própria cidade como um louco desvairado por conta de um valentão que achava que podia me matar só porque eu dei um amasso em sua esposa. Eu tentava desesperadamente encontrar uma solução que não fosse ter que sair correndo da cidade com uma mão na frente e outra atrás. Pensei em ir à Polícia. Mas que policial se meteria a besta com Valadão? Certamente eles esperariam o crime acontecer para poder prendê-lo, era sempre dessa forma que agiam. Eu não poderia culpá-los, afinal não conheci homem que tivesse coragem ou a infeliz ideia de encarar Valadão. Pensei que, talvez, eu pudesse cavar um buraco dentro do meu quarto, enfiar-me dentro dele com Andreia e esperar passar pelo menos uns dez anos.  
- Mãe, cadê a minha mala? – gritei.
Minha mãe veio correndo.
- O que você perguntou?
- Perguntei onde está a minha mala?
- Para quê?
- Vou viajar?
- Vai viajar? Como assim? Vai viajar? Para onde? Por quê?
- Mãe, não me faça perguntas, encontre logo minha mala.
- Romeu, as coisas não são assim. Sou sua mãe, tenho direito a uma explicação.
- Mãe, pegue a mala, logo.
Minha mãe correu buscar a mala que eu pedira e voltou rapidamente.
- O que foi? O Valadão que pegar você? Eu bem que avisei que você estava fazendo cagada quando resolveu ir lá prestar assistência à mulher solitária. Você é um cabeça oca, Romeu! Tem que se  ferrar de vez em quando para ver se aprende alguma coisa.
- Mãe, chega! Não preciso de sermão, preciso de dinheiro. Tem dinheiro aí para me emprestar?
- Para onde você vai?
- Não sei. Pelo andar da carruagem certamente para bem longe.
- Cada cosia que você apronta, Romeu!
- Tem o dinheiro ou não?
- Me deixa ir pegar.
Minha mãe saiu do quarto enquanto eu enfiava tudo o que podia na mala. Já havia se passado preciosos minutos, eu rezava para que Valadão só chegasse à cidade bem depois de termos partido, senão ele seria bem capaz de pegar o carro e ir atrás do ônibus até o fim do mundo. 
 Sei que fugindo eu estava assinando o meu atestado de culpa, mas eu não podia ficar esperando que Valadão me encontrasse e não entendesse a minha boa ação. Por isso, o mais sensato era sair correndo como um covarde, aliás, a minha frase preferida é – melhor ser um covarde vivo do que um herói morto. Não vejo muita glória na morte, prefiro continuar vivo e com todos os meus dentes na boca, isso sem citar que não quero ter os meus documentos que me tornam homem rasgado pela faca de um machão violento. Se pelo menos eu tivesse um revólver... Qual o quê? Do jeito que sou cagão, era bem capaz de Valadão tirar o revolver da minha mão e me matar de coronhadas, só para eu aprender a não ter arma de fogo. Não havia escapatória.
Minha mãe entrou no quarto novamente com o dinheiro e mais alguns sermões. Peguei o dinheiro e dispensei o sermão. Dei um beijo em seu rosto, já com a mala na mão.
- Tchau, mãe.
- Vê se toma juízo.
- Se eu viver para isso... Quem sabe.
- Ah, meu Santo Expedito!
- Mãe – disse eu horrorizado – Santo Expedito é o santo das causa perdidas. 
- É bom a gente se ater a quem pode mais.
- A senhora me deixa muito preocupado, sabia. Estou pensando seriamente para quem a senhora está torcendo.
Mas não dei mais atenção ao que ela falava. Sai para a rua de posse de trezentos Reais que ela havia me emprestado e sai correndo, precisava passar na farmácia, pegar mais um pouco de dinheiro com seu Vicente, afinal, eu não sabia aonde iria parar com aquela história toda. 
A farmácia estava vazia, entrei quase correndo, resfolegando. Fui para o fundo onde ninguém que entrasse na farmácia pudesse me ver.
- Para que essa mala, Romeu? - perguntou-me Seu Vicente entendendo que a coisa estava fedendo. – Não acredito que a história já caiu no ouvido de Valadão.
- Acho que sim. Pelo sim ou pelo não, aqui eu não fico nem mais um minuto, preciso fugir enquanto ainda tenho pernas para isso.
- Mas você disse que não deve nada a ele.
- E o senhor acha que eu irei esperar o julgamento de um homem como ele. Jamais. Estou indo.
- Então vai com Deus, meu filho.
- Passei aqui para saber se o senhor tem algum dinheiro que possa me emprestar, como adiantamento do meu salário, ou como um ato de misericórdia  a um desvalido que está com os minutos contados.
- Claro – disse ele. – De quanto você precisa?
- De tudo o que o senhor puder me arrumar, não sei para onde vou e nem sei quanto vou gastar.
- Então tome tudo que tenho no caixa, depois você me passa um número de conta que eu lhe mando o restante dos seus dias trabalhados.
Peguei o dinheiro apertei a mão de Seu Vicente e sai correndo em direção à rodoviária onde Andreia já deveria estar a minha espera. Faltavam menos de dez minutos para o horário do ônibus.
 Infelizmente não foi possível concluir a história.
Amanhã tem mais.

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