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sábado, 31 de julho de 2010

Sacaneando a professora


Outro dia estive conversando com uma professora de Português, Leila Moreira que, além de dedicada educadora, é, também, uma ótima cantora. Às vezes nos falamos. É incrível a simplicidade e a inteligência dela, sempre me encanta a sua forma apaixonada de falar sobre livro, música e educação. Acho que nosso país precisa de mais pessoas como ela. Tenho visto tantos professores que deveriam educar e o que fazem é ir à escola marcar horário para conseguir um salário do qual vão reclamar. Por isso digo sempre que a paixão faz a diferença. Ser apaixonado por aquilo que fazemos é o diferencial para se ter sucesso ou não.  
Comecei falando da professora Leila, foi uma forma de puxar o saco um pouquinho, afinal pela paixão com que ela se dedica à educação, nós devemos, mesmo, parabenizá-la.
Mas o fato de falar de professores lembrou-me um episódio que aconteceu quando eu cursava meu segundo ano do colegial, em Marília, numa escola que não vou citar para evitar apanhar nas ruas.
As coisas andavam um pouco conturbadas em minha naquele ano. O que não é de se admirar, eu era ainda um adolescente que se achava o maior sábio do mundo. A juventude tem disso...
Eu não preciso esconder de ninguém que sempre fui apaixonado por livros. Adorava todos os livros que tinha a oportunidade de ler, mas, na época, eu era apaixonado exclusivamente por um autor que até hoje julgo ser o mestre do romance e da poesia, José de Alencar. Gostava tanto de seus livros que os lia diversas vezes. Havia um em especial, Iracema, pelo qual eu tinha verdadeira fixação. Todas as vezes em que o li senti uma emoção diferente e estou para dizer que não existe, em toda a nossa Literatura, livro de maior qualidade poética do que esse, por isso o li mais de 30 vezes, e não estou aumentando, não, li mesmo.
Mas o caso se passou baseado nesses três fatos - segundo colegial, professora e José de Alencar.
Eu havia chegado àquela escola naquele ano, não conhecia os seus professores e suas respectivas capacidades. Eu já era, na época, um terrível tormento na vida de muitos professores, além de querer saber eu fazia questão de provar que eu também sabia.
No primeiro dia de aula, tive aula da matéria que eu sempre adorei - Português. Apareceu na sala de aula uma professora pequenina, de jeito tímido, trazendo uma bolsa preta cafona debaixo do braço e alguns livros. Sentou-se, fez a chamada, depois se levantou, e de pé era tão visível quanto sentada. Foi até o quadro negro, escreveu o nome do meu autor preferido - José de Alencar. Depois se voltou para os alunos e disse:
- Vamos começar esse ano estudando José de Alencar. Vamos todos à biblioteca e cada qual pegue o livro que mais o agradar para fazermos um trabalho sobre esse autor.
No mesmo instante seguindo uma, acho, inspiração divina, ergui a mão. A professora, Dona Odete, encarou-me como que assustada com o fato de alguém erguer a mão em sua aula, depois do choque, sorriu sem graça.
- Sim?
- Professora, gostaria de pedir que a senhora me dispensasse desse trabalho, não acho justo ter que fazê-lo.
Seu sorriso sem graça transformou-se numa interrogação e, logo depois, numa cara de quem não gostara do que ouvira.
- E posso saber por que o senhor não pode fazer o trabalho? E o que isso tem a ver com justiça?
- É um pouco complicado de se explicar, mestra – e eu disse “mestra” mesmo, o que aumentou mais ainda o tamanho do ponto de interrogação no rosto da minha pobre professora. – Qual a sua religião, professora?
- Não sei o que isso tem a ver com o que a gente está discutindo...
- Por favor, professora...
- Sou católica. Por quê?
- Bem, professora, eu sou kardecista e tive a maravilhosa oportunidade de fazer uma regressão espiritual, na qual descobri que sou a encarnação de José de Alencar.
Não só ela como toda a classe riu.
- Sendo assim, professora – continuei sem me importar com os risos. – não acho certo que eu faça um trabalho sobre meu próprio livro, é injusto para com o restante da classe.
- Que conversa é essa, moleque? – perguntou ela. E dessa vez o deboche estava estampado em seu rosto.
Eu adorava criar confusão e finge-me de ofendido.
- Professora, a senhora tem sobre sua mesa um dos meus livros – Iracema. Queira, por favor, abrir o meu livro no primeiro capítulo.
Ela o fez a contragosto, enquanto eu começava a recitar:
- Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba...
Ela não se impressionou, era lógico que eu houvera decorado algumas frases. Pedi, então, para que abrisse no capítulo quinze. E comecei a desfiá-lo como um especialista. Ela começou a se impressionar. Depois eu matei com chave de ouro:
- Epílogo.
E desfiei o epílogo.
- Se a senhora quiser escolher um capítulo qualquer acho que posso provar que eu o sei decor e salteado.
Acho que ela se confirmou da minha suposta experiência espiritual ou não quis atormentar os alunos com um espetáculo espírita em sua aula, sentou-se à sua mesa, abriu a caderneta de anotações.
- Seu nome é Valdir?
- Sim, senhora.
Levantou-se e eu pude ver aqueles olhares todos dos alunos que, num misto de espanto e dúvida, esperavam o desfecho da estória.
- Senhor Valdir, ou devia dizer José de Alencar? Gostaria que o senhor, sendo tão culto quanto o era em outra vida, fizesse, sim, o trabalho sobre os seus livros, afinal, nessa vida seu nome é Valdir e não José.  E virando-se para o quadro negro continuou escrevendo os tópicos que ela queria que bordássemos em nossos trabalhos.
Depois desse dia as pessoas na sala de aula me olhavam como se estivessem vendo um ET, uma assombração, ou coisa que o valha. Mas, nem a professora, nem os alunos, nunca mais tocaram naquele assunto que virou tabu na escola.

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Seu Madruga professor 


Mundo Curioso


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2 comentários:

Mirtes disse...

Então!Não foi á toa que você se tornou um excelente escritor, escritor nato!Que o Esprito Santo, continue iluminando cada dia mais a sua inteligência. Paz e Bem!E parabéns mais uma vez, por este maravilhoso blog.

Ivone disse...

Oi Valdir, eu li e gostei. Somente uma mente prodigiosa com variadas inspirações, técnicas, arranjos literários e etc, poderá criar textos tão inusitados. Que a mente não se esgote nunca, jamais. Sempre renove! Abraços,
Ivone/escritora

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