Blogs Parceiros - os melhores

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Branca de fome 5 - fim








Na manhã seguinte, pouco antes do meio-dia, Rainha saiu a galope junto com três escravos para a fazenda dos sete cangaceiros.
Em questão de duas horas ela estava lá.
Mandou que seus escravos deixassem os cavalos prontos para uma fuga rápida e esperassem o sinal dela.
E lá foi Rainha com um vestido escuro sujo de terra e um lenço preto na cabeça. Havia se sujado de barro para ficar com o rosto irreconhecível. Chegou devagar, empurrando a porteira da fazenda, analisando o lugar para ter certeza que os cangaceiros não estariam ali.
Branca lavara alguns lençóis e estava pendurando num varal improvisado quando viu uma senhora entrando aos coxos, com um dos braços estirados para ela. A moça foi ao encontro da idosa e a ajudou a entrar na modesta casa da fazenda. Entendeu que a mulher desejava um pouco de água e um pedaço de pão.
Enquanto Branca foi buscar um copo com água e o pão Rainha levantou-se de uma vez retirando o capuz que lhe servia de proteção ao sol e segurando-o com as duas mãos se dirigiu até a moça que cantarolava baixinho enquanto enchia o copo com água.
Branca não vira quando o pano negro que tampou a vista, impossibilitando de perceber que estava sendo seqüestrada por Rainha. A moça gritava e se contorcia nos braços da mulher. Rainha, quando percebeu que Branca tentava se libertar, gritou por um de seus escravos para levar a moça nos braços. Lampião que tudo vira não teve chance de defender sua amiga, mas ouviu atentamente o apelo da menina.
-Lampião!!! – gritava Branca – Vá chamá Venâncio!!! Ligero!!!
E o cachorro, sem demora, foi até onde o bando se encontrava, numa cidade não tão distante da fazenda.
Rainha ria e se vangloriava, pois seu plano ia às mil maravilhas. Branca estava no colo de um dos escravos, que seguia montado. A menina estava sem o capuz negro e fuzilava sua seqüestradora com os olhos.
-Sua mardita cobra criada!!! – gritava Branca – Quando Venâncio souber vai arrancar sua cabeça na faca!!!
-Ele nunca vai saber, sua cabrita, já que não tinha ninguém pra ver o que aconteceu e dizer a ele!
Branca mostrou a língua a Rainha quando a mesma virou o rosto para frente. A menina temia que Venâncio não soubesse o que Lampião estava querendo demonstrar no momento em que o cão o encontrasse. Temia que não fosse salva e temia, ainda mais, ser vendida a um homem que desconhecia as mania e que se mostrava vulgar.
Rápido como um pé de vento Lampião encontrou o bando de Venâncio. Seu faro aguçado jamais lhe abandonara, principalmente nos momentos mais precisos como aquele. Ao ver o ancião de chapéu de couro escorado a um juazeiro e Venâncio sentado a sombra do mesmo partiu em disparada até ele.
Cada segundo era importante.
Lampião tinha que ser preciso e direto, se não sua amiga iria para longe e ele nunca mais a veria.
O resto dos homens conversava folgadamente sobre banalidades que viram e ouviram na cidade. Venâncio, graças aos seus instintos já treinados, sentiu que alguma coisa se aproximava dali. Levantou-se e segurou com firmeza sua espingarda. Vieira seguiu o olhar de Venâncio e procurou o que poderia estar alarmando o líder do grupo.
Viu uma nuvem de poeira aproximar-se com rapidez.
Ajeitou os óculos redondos diante do nariz e se concentrou no intuito de entender o que estava acontecendo. Venâncio relaxou ao ver que era Lampião que se aproximava as pressas, ao contrário de Vieira.
O cachorro chegou e começou a latir com ferocidade.
O cangaceiro não entendeu a atitude do canino.
-Oxe Lampião! O que é que tu quer?
E cachorro latia, dando saltos e rodopios, sempre direcionando seu focinho para a direção de onde viera. Vieira, sagaz como era, entendeu o que o animal estava tentando repassar.
Segurou no ombro de Venâncio com preocupação.
-Venâncio, homem, vamo simbora!
-Que foi cabra?
-Oxe que Lampião tá aqui, mas Branca num tá! Homem! Esse cachorro só larga a menina quando ela tá tomando banho e mal! Fica vigiando a porta como quem diz que ninguém vai chegá perto! Venâncio vamo simbora! Vai que o cachorro tá dizendo que Branca foi levada!
-E num é que é mermo! Chico das Pedas! – o robusto homem queimado pelo sol com um chapéu de couro semelhante ao de Vieira se aproximou – Vá ligero até a casa de seu Coronel Rodrigues dos Matos Alencar e diga que a menina que tinha prometido pra casar com o sinhorzinho Miguel foi levada por Rainha!
-Sim sinhô!
-E ande cabra! Vá mais rápido que chuva em seca!!! Cuide!!!
Chico das Pedas subiu em seu cavalo e foi rápido cidade a dentro, levantando uma densa nuvem de poeira.
-Vamo os homem! Vamo atrás daquela cobra criada e tirá Branca daquele buraco do demônio!
Os homens gritaram ao comando do líder e subiram em seus cavalos. A carreira foi uma só. Lampião ia à frente, guiando fielmente os cangaceiros até a sua antiga morada. O canino estava disposto a dar a vida por sua salvadora e amiga. Mesmo sem palavras, Lampião dizia “Eu te amo” todas as vezes que deitava no colo de Branca, à noite, quando a menina ia dormir. Amava-a mais que o próprio Miguel, quase igual a Deus.
Em duas horas já estavam diante das porteiras da fazenda Raio do Sol. As portas da casa estavam bem guardadas por alguns jagunços de Rainha, todos empunhavam espingardas e todos eles exibiam caras maldosas. Mas isso não intimidou Venâncio.
Ele levantou sua arma para o alto e deu um tiro de aviso.
-Se num deixá Branca ir simbora cum nois, tu vai levar sal grosso nos couro Rainha!!! – gritou Venâncio – Ocê num vai saí viva nem que num queira se num deixá Branca saí!!!
Os jagunços de Rainha começaram a atirar nos cangaceiros, contudo esses já estavam acostumados com os tiroteios e não arredaram o pé dali, em respostas atiravam nos jagunços. Lampião aproveitou essa distração e se embrenhou pela jurema que contornava a fazenda, para chegar sem ser percebido a porta dos fundos como sua dona lhe ensinara.
O som das balas atingindo as paredes da casa, de homens sendo atingidos e xingando a própria sorte acordou Rainha de seu sono de beleza. Branca, que estava na cozinha amarrada dentro de um armário, começou a gritar desesperadamente por ajuda.
Toinha, sentindo um forte aperto no peito, libertou a menina. Branca abraçou sua mãe de criação e decidiu ali mesmo que a levaria consigo para cozinhar para o bando de Venâncio, Toinha aceitou sem pensar duas vezes. Nesse momento Lampião chegou aos pulos, latindo forte para assustar que estivesse na cozinha.
Branca apertou o amigo em seus braços, banhando o canino com suas lágrimas de alegria e estima. O cachorro lambia o rosto da menina mostrando em seu linguajar o quanto estava feliz em vê-la viva e bem.
Os três decidem sair por trás da fazenda, mas era tarde.
Rainha chegou repentinamente com mais três jagunços e prendeu Branca depois de muitas tapas que Toinha deu em dois dos três jagunços. A negra caiu desmaiada no chão da cozinha no momento em que um terceiro jagunço atingiu-a com o cabo da espingarda na cabeça.
Branca chorou em desespero.
-Mamãe!!! – gritou a menina – Minha mamãe!!!
O mesmo aconteceu ao Lampião.
-Lampião!!! – a menina segura com firmeza uma panela e atinge a cabeça do jagunço que a segurava.
Branca pega rapidamente Lampião no colo e corre para fora da fazenda, descalça, pisando na jurema e ferindo seus pés cheios de calos. Ela corria sem importar com a dor, queria fugir com o seu cachorro, que tanto amava. Ao olhar para trás viu que estava sendo seguida pelos mesmos homens que machucaram Toinha e Lampião.
A moça apertou o passo e não cessou a corrida.
Os homens vinham a galope e aceleravam.
Enquanto isso as balas eram trocadas na frente da fazenda. Jango chegara com os reforços para Venâncio. Trazia consigo mais dez homens, sem contar com o Coronel e seu filho, Miguel Lourival.
Mal desceram dos cavalos começaram a disparar contra a fazenda.
-ATIREM!!! – gritou o Coronel – Eu num quero um cabra desse vivo antes do almoço!!! Matem tudim!!!
Nesse instante Rainha surgiu na sacada, ela carregava outra espingarda e atirava contra o Coronel.
-Ocê tá pensando que é quem pra chegar na minha propriedade e atirá a torto e a direito!!! – gritou Rainha.
-Cale a boca sua jararaca!!! Ocê tá cum a muié que meu fí quer pra casar!!! Liberte ela ligero!!!
E as balas não paravam. Dois homens de Rainha já estavam mortos, enquanto Ariovaldo estava com a perna baleada. Miguel aproximou-se do pai com um revolver empunhado e atirando.
-Pai! Cadê Branca?!
-Parece que tá lá dentro!
-Pois eu vô buscar ela é agora!!! – gritou o rapaz.
-Nem pensá!!! – gritou Vieira.
-Oxe e por quê? É a muié que eu amo!!!
-Ela tá é ali! – Vieira aponta para um corpo magrinho correndo carregando um pequeno corpo nos braços e com três homens a cavalo em seu encalço. Miguel correu para seu cavalo e montou, Vieira e Venâncio fizeram o mesmo para ajudar o rapaz em seu intento.
Ao olhar novamente para trás Branca caíra, pois tropeçara numa pedra e machucara o seu dedão. Lampião fora lançado um pouco mais frente, rolando na terra seca, fazendo poeira subir. Ela chora e se arrasta até o amigo com as poucas forças que lhe restava. Branca abraça o amigo, que acordara milagrosamente e logo se pusera na defesa de sua amiga. O cão latia contra os cavalos, assustando-os e afastando-os o quanto podia de Branca. Um dos jagunços ergueu uma pistola e mirou no cachorro.
Branca vira e se colocara no caminho.
-Não!!! – ela gritara com os olhos fechados, abraçando Lampião e dando as costas ao jagunço.
Ela ouviu um tiro.
Pensou que era para si, mas na verdade foi para o jagunço que levantara a pistola e mirara em seu cachorro. Com olhos marejados e vermelhos, Branca viu o corpo despencar do cavalo enquanto o animal corria as pressas para longe do atirador, assustado com o barulho da bala. A moça vê uma batalha travar-se diante de si.
Miguel ao ver um homem apontar uma pistola contra o cachorro de Branca apertou ainda mais o passo, fazendo o cavalo quase voar sobre a terra rachada. Então sua visão foi assombrada por uma cena: Branca coloca-se no caminho da bala abraçando Lampião no desejo de salvá-lo da morte. Miguel se desespera e atira inconscientemente no jagunço, amedrontando o cavalo e matando o homem.
Venâncio e Vieira começam a atacar os outros dois jagunços para que Miguel pudesse chegar até Branca e salvá-la.
-Venha Branca! Vamo simbora daqui! – Miguel desce do cavalo e pega a moça nos braços, colocando-a em seguida sobre o eqüino.
-Lampião! Num se esqueça de Lampião!!!
Miguel pega o cão com cuidado e coloca-o sobre o colo de Branca. O canino é recebido aos mimos e são todos retribuídos a menina através de calorosas lambidas. O rapaz volta aos galopes à fazenda Raio de Sol, pois Venâncio e Vieira conseguiram eliminar os outros dois jagunços. Todos se reuniram, no fim do tiroteio, na varanda quase destruída de Rainha.
João e Jango foram buscar Toinha depois de muita insistência de Branca. Rainha e seus jagunços foram todos mortos na contenda. Branca estava salva e estava sendo cuidada por sua mãe de criação.
Lampião foi considerado o grande herói de toda a história.
-Eu num tô lhe dizendo, homem, que o cachorro foi atrás de nois pra dizer que Branca tinha sido levada!!! – repetia Ariovaldo, com a perna enfaixada, sentado na varanda – Num foi não Nhô Venâncio?
-Ora se num foi?! O sinhô Coronel ainda duvida?
-Pois eu tô precisando dum cachorro desse! – brincou o Coronel.
Todos riram da brincadeira.
Lampião fora agraciado com todos os mimos que sua dona e amiga poderia lhe dar. Variando entre afagos e beijos. Toinha agradecia a todos os anjos e santos do céu por ver sua filha do coração sã e viva.
O Coronel aproximou-se devagar de Branca, ajeitando seu chapéu branco sobre a cabeça e exibindo seu melhor sorriso. Perto de si trazia Miguel, que vinha com os braços atrás do corpo e pouco de timidez. Branca viu o rapaz e o puxou pela mão para mais perto de si, ao ponto de que conseguira dar um leve beijo nos lábios trêmulos do rapaz. Toinha se levantou devagar, com as mãos na cintura, colocando-se entre Branca e Miguel, se mostrava desconfiada, olhando pelo canto do olho para o rapaz. Acanhado Miguel voltou para perto do pai.
-Quais é suas intenções? – resmungou Toinha.
O Coronel respondeu pelo filho.
-Meu filho casar cum sua fia! Desde o dia que levou uma baldada dela na cabeça que ele não esquece essa menina!
-Hum...! Num sei não!
-Minhas intenções são boas! – prontificou-se Miguel – Eu só quero dá a vida que Branca nunca teve na vida! Dá de comer, de beber, o que vestir, um lugá bom pra morar e proteção!
-Se Branca quisé... – disse Toinha voltando aos curativos dos pés da menina – Ocê casa! Mas tem que levá eu junto!
-Eu levo! Eu levo! Se Branca quisé eu como seu esposo...
-Eu quero! – disse Branca colocando-se de pé.
Miguel abraçou a moça e outro beijo, dessa vez mais demorado, foi trocado pelo casal. Os cangaceiros urraram de alegria juntamente com os jagunços do Coronel. Branca impôs ainda mais duas condições para se casar com Miguel: primeiro, Lampião iria com ela e seria seu cão de guarda, segundo, os cangaceiros seriam seus guarda-costas pessoais.
O Coronel aceitou ambas as condições.
Todos foram a galope para a fazenda do Coronel organizar o casamento de Branca com Miguel. Alguns tiveram que dividir os cavalos entre duas pessoas, pois Toinha foi também.
-Mas me diga meu filho – o Coronel chegou perto, com seu cavalo, do cavalo cuja Branca, Miguel e Lampião iam montados – Cuma é o nome dessa moça? Por que ocê sabe que ela tem que assinar um documento.
Miguel nem precisou responder. Sua noiva se ocupou com isso.
-Ora seu Coronel! Nome eu num sabia não, mas agora eu sei!
-E qual é?
-Branca!!!


Acredito que a maior vitória para o bloguista, não é somente escrever bons textos, mas, sim, encontrar talentos como o de  Ayanny e trazê-los ao público. Agradeço essa pessoa extremamente simpática e talentosa que no brindou com sua história deliciosa de Branca de Fome. Obrigado. E o espaço estará sempre à sua disposição, Ayanny. 
Valdir Bressane



Texto:






Francisca Ayanny Pereira Costa
Todos me chamam de Ayanny.
Tenho dezoito anos, moro com meus pais em Juazeiro do Norte, no estado do Ceará. Orgulho-me de ter nascido e de viver nesta cidade que tem tanto a revelar.
Desde os meus dois anos de idade tenho afinidade com a escrita, isso eu sei graças às observações de minha amada mãe, mas faz apenas cinco anos que entendi que eu deveria seguir a mesma direção de Machado de Assis, José de Alencar, Raú Pompeia e tantos outros escritores. Eu escrevo porque foi na littera que descobri como expressar a minha alma, quando ponho as palavras no papel é como se eu projetasse o meu espírito num outdoor. Desejo me formar em Letras, muitos já me disseram que morrerei de fome, mas tenho certeza que todos estão enganados no fim das contas. Sei que não há caminhos fáceis para se chegar em qualquer lugar, mas não significa que vou parar.
Escrever é minha paixão, meu vício, minha forma de expressar e não vou desistir dela.
Sou brasileira e não desisto nunca.


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Passar na OAB

Passar na OAB
Cronograma 30 dias para aprovados no Exame de Ordem da OAB