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sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Almas Gêmeas - uma história quase romântica



Ali estava minha alma gêmea. Não é todo dia que encontramos nossa alma gêmea. Ela era alva, os cabelos pretos como a asa da graúna como diria o nosso querido José de Alencar, mas não, não era índia. Seus lábios eram tão ou mais sensuais que todo o seu corpo. Fiquei paralisado. Sabia que não era uma simples atração carnal. Não, era o amor. O sentimento que tem unido milhares de pessoas por toda a história da humanidade, que tem feito pessoas chorarem, rirem, se matarem... Pude até mesmo sentir a flecha do cupido penetrar a carne da minha bunda. Não me lembro se gritei ai, mas senti doer. Se eu pegar esse cupido... tanto lugar para atirar uma flecha do amor e vai mirar bem na minha bunda, sacanagem.
Eu estava no shopping. Há tempos andava frequentando aquele lugar afim, talvez, de encontrá-la. Até então só conseguira uma japonesa que achou que eu era um contorcionista, uma brasileira ninfomaníaca e uma mulher que... bem... não era mulher. Estava quase desistindo de correr risco em vias públicas, afinal o amor parecia morar tão distante, lá para os lados da terra do Sherek... no reino de Tão-tão-distante. Eu saia sempre, sorria sempre como me ensinara a Mônica Buonfíglio em seus livros sobre alma gêmea. Trocara meu perfume, meu estilo de roupa, meu corte de cabelo. Começara a usar brinco e peircing e tatuara a imagem de um coração atravessado por uma flecha no braço, pena que a falta de músculos fez com que o coração ficasse mais parecido a uma bexiga murcha atravessada por um palito de dentes... Nem todo mundo é um Rambo... eu estava mais para uma versão mais enxuta, bem mais magro de Indiana Jones.
Eu pisquei, quando abri os olhos ela estava ali, diante de mim. Linda e maravilhosa. Os cabelos escorrendo pelos ombros, uma tatuagem, vejam só, um coração atravessado por uma flecha. Toda sorriso. Eu senti a minha boca secar, o ar me faltar e, mesmo com o ar condicionado do shopping, eu suava como uma camelo no deserto (será mesmo que camelos suam?). Sentou-se diante de minha mesa, eu estava só, assim como andara tantas e tantas vezes em minha vida. Comia uma porção de fritas, tomava refrigerante dietético e rodava a chave do meu velho Passat nos dedos como se fizesse isso com a chave de uma Toyota.
Ela estava um pouco distante de minha mesa, não daria para perceber a diferença entre minha chave de Passat para outra qualquer. Encarei-a. Quando ela notou eu lhe sorri tão sincero e amoroso que senti que ela estava a ponto de pular sua mesa e vir até a minha, nos beijarmos e nos casarmos ali mesmo... aí eu acordei! Ela nem ao menos olhava em minha direção. Quando, muito tempo depois, um menino destrambelhado que usava roupas do Batman passou correndo por mim, foi que ela me notou... sorriu... claro que não foi para mim, ela ainda não deveria ter notado que a sua alma gêmea estava bem a sua frente. Urgia fazer algo. Ela estava comendo um x-burguer. Era certo que em algum momento ela terminaria, talvez atravessasse o shopping, entrasse no seu carrão importado e desaparecesse para sempre e eu perdesse a única chance que tive na vida de encontrar a minha alma gêmea.
Levantei-me resoluto e rapidamente venci os metros que nos separava. Quando me aproximava da mesa ela me encarou.
- Não quero mais nada, não. Obrigada – disse-me.
Olhei a minha roupa e percebi desesperado que ela era muito parecida com o uniforme dos funcionários da praça de alimentação. Que vacilo! Mas não me intimidei. Aproximei-me de sua mesa. Ela levantou o olhar e pareceu perceber que eu não era um garçom.
- Ai, moço, me desculpe, eu não percebi que você não trabalha aqui.
- Tudo bem, não se preocupe.
- Você deseja alguma coisa?
Se desejo alguma coisa? Lógico que a única coisa que eu desejava na vida era ela, sempre a desejei, mesmo sem saber que ela existia. Eu desejava a sua mão, o seu braço, a sua boca e muitas outras partes que acho impróprio citar. Eu a desejava inteira, queria beijá-la, levá-la ao cinema, ler um livro para ela, passar a mão em seus cabelos enquanto ela dormia ao meu lado, em minha cama. Eu queria ser o Jack da vida dela, só não queria afundar no mar, mas todo aquele romance queria viver ao lado dela.
- É que eu estava sentado naquela mesa quando a vi chegar... e .. bem... me perdoe... mas não pude deixar de vir lhe falar.
- Ora, sente-se. O que foi? No que posso lhe ajudar?
- É que quando a vi chegar por aquele corredor tive a certeza de que já nos conhecemos, embora a minha memória seja lastimável. Os seus olhos, esse seu sorriso simpático não me é estranho...
- Olha, moço. Eu sou uma pessoa bem vivida para entender que isso é uma cantada fuleira, mal feita, e não quero que você perca o seu tempo com essas conversinhas. Vamos logo ao que interessa. O que o senhor quer de verdade? Sou eu?
- Bem, é... mas... quer dizer... é... é isso mesmo.
- Vou facilitar as coisas. Eu vim aqui somente para uma coisa - encontrar um homem, não me interessa se velho, se gordo, se feio, se magro, basta que seja homem. Você é homem?
- Você é bem direta, não!
- Comigo é assim. Eu falo direta e objetivamente. Então se você me deseja diga logo, não vamos perder tempo.
- Claro... quero dizer... você é bonita... simpática... por que eu não a desejaria?
- Qual os seus planos? Sim, porque se você se levantou de lá até aqui para me cantar deve ter um plano de vida onde já me encaixou perfeitamente.
- Bem, eu esperava lhe conhecer... convidá-la para um cineminha....
- ... depois me levar para o motel, aproveitar tudo o que posso lhe dar, namorar-me e depois me trocar por uma vadia feia que você conheceu no seu trabalho... não é isso?
- Até a parte do motel eu pensei...
- Pois então eu vou lhe mandar a real. Eu só saio daqui com você se você ligar, agora mesmo, para o meu pai, pedir permissão para me namorar, dizer que vai me levar a um cinema, passar-me uma cantada fuleira e me arrastar para um motel onde vai fazer coisas comigo que ele jamais poderia sonhar.
- Mas eu não posso dizer isso ao seu pai. Ele não me deixaria namorá-la...
- E quem disse que preciso da permissão dele para namorar alguém? Eu namoro quem eu quiser, quando quiser, onde quiser e como quiser e não venha você me dizer o que eu faço ou deixo de fazer de minha vida... ora, ora... nem me levou ao cinema ainda e já está querendo mandar em mim...
- Não, não quis mandar em você.... achei que não seria legal seu pai ouvir uma conversa dessas sobre sua filha.
- Você conhece meu pai?
- Não, claro que não...
- Então não o defenda... vai fazer o que eu pedi ou não? Ou já vai começar cedo a fazer simplesmente o que quer, sem se importar com aquilo que eu quero? Meu último namorado era um cara assim, se ele queria sair, saíamos; se ele queria transar, transávamos; se ele queria me trair... se deu mal... hoje ele não tem mais como trair ninguém...
- Como assim?
- Eu o castrei e dei as coisas dele aos cachorros. Ninguém mandou ser safado.
- Você me parecia bem mais delicada...
- E sou... sou muito delicada... tão delicada que qualquer golpezinho me fere a alma. Sou uma alma sensível amargurada, procurando um ombro amigo e fiel... fidelidade é tudo... sem ela não pode existir nada... nem pênis.
- Olha, acho que tenho que ir a banheiro...
- Agora não, amorzinho, liga para o meu pai primeiro, vai. Assim quando voltar já seremos oficialmente namorados...
- Não... quero dizer, acho melhor deixar para depois, agora estou muitíssimo apertado.
- Deixa-me seu telefone?
- Eu só vou ao banheiro...
- E se você se perder? E se enquanto você vai ao banheiro acontece um incêndio ou tragédia parecida e você e eu tenhamos que sair correndo daqui... no meio de toda essa gente jamais nos reencontraríamos... eu, com o seu telefone não correria esse risco... fugiria e depois ligaria para você...
- Não acho que o shopping vá pegar fogo enquanto eu vou ao banheiro e volto...
- Nunca se sabe! Quem imaginou que o Word Trade Center viria abaixo? Aposto que ninguém... Mas um dia ele caiu. A vida é cheia de tragédia. Eu vejo notícias sobre os terremotos que têm acontecido no Brasil. E se de repente estamos com os pés sobre o epicentro de um futuro tremor que vai começar no exato momento em que você tiver urinando... não gosto nem de pensar... não, senhor. Dê-me o seu telefone senão não deixo você ir ao banheiro...
- Tudo bem, então... anota aí ... o código é ...
- Não, senhor, pode parar... você acha mesmo que eu vou acreditar nessa sua conversinha mole. Você está com cara de quem quer me dar um fora, mas eu sou mais esperta, empreste-me seu celular....
- Para quê?  
- Vou ligar do seu no meu, assim não corremos o risco de termos “errado” o número do seu celular...
- Não tem necessidade...
- Tem sim. E tem mais, quero o seu endereço, de preferência se você tiver algum comprovante de residência, senão serve o número da sua carteira de Habilitação. Meu pai trabalha na Polícia Rodoviária Federal, tenho certeza de que vai ser muito fácil encontrá-lo mais tarde.
Ainda não acabou....
O resto vem amanhã.

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